Conheça as influências literárias que podemos encontrar no Heavy Metal ao redor do mundo.
Uma gigantesca família se espalhou pela Terra e a infestou com muita, muita barulheira saudável que, na verdade, foi emprestada de outra fonte. É impossível dar conta de todos os descendentes dela, pois cada um é de um canto, e mesmo que muitos desses filhos tenham se inspirado nos mesmos livros para suas notas musicais, a interpretação é igual: cada um com sua insanidade. Afinal, desde quando Heavy Metal e suas vertentes são para ouvintes normais?
Mencionamos aqui algumas crias deste casamento entre algumas da vertentes do Heavy Metal e Literatura. Longe de querer montar um Best Of, mas amostras diretas ou indiretas dessa união. A família é enorme, então se você lembrar de mais algum parente, à vontade!
Indicações de Amanda Pimenta:
Muito conhecido entre os apreciadores do “metal negro” (Black Metal) está o projeto de Kristian Vikernes (conhecido também como Varg Vikernes, ou Count Grishnackh), denominado Burzum. O norueguês é o único integrante da banda, surgida no final dos anos 80, sendo que o primeiro álbum, homônimo, foi lançado em 1992 pela gravadora Deathlike Silence (do Euronymous, outro grande ícone do metal negro, líder da banda Mayhem). O nome da banda faz referência ao famoso livro de aventuras fantásticas O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, e é uma das palavras incrustradas no anel, em Língua Negra, na sentença “Ash Nazg Durbabatuluk Agh Burzum Ishi Krimpatul” (“Um anel para atrair todos eles e uni-los através da escuridão”). O pseudônimo Grishnackh também vem do livro, baseado no personagem secundário Orc Grishnákh.
Outras obras de Varg Vikernes, como, por exemplo, o álbum Umskiptar, de 2012, foram inspiradas na mitologia nórdica. As letras do mencionado álbum foram retiradas do secular poema islandês Völuspá, integrante da coleção de poemas nórdicos antigos Edda Poética (século XIII), principal fonte de estudos da mitologia nórdica e heróis lendários germânicos.
Já Mastodon, banda de Heavy Metal dos Estados Unidos, lançou, em 2004, um álbum conceitual baseado no mais conhecido romance de Herman Melville, Moby Dick. Denominado Leviathan, o álbum traduz em música a famosa história de um cachalote que persegue um barco baleeiro no século XIX. A faixa número 6 do álbum, intitulada Megalodon, trata da surpresa dos homens dentro da embarcação quando ocorre o impacto da baleia no barco:
“Tear right to pieces, left to recess a watery grave”
(deixado em pedaços, à deriva em um sepulcro aquático).
(…)
“Sensing the blood of prey. Swimming in fear for life.
Rolling over.
Falling into jaws.
Teeth that chatter.
It distracts them all.
The fiji mermaid.
She will let it know.
Time is coming to feed and knaw”.
(Sentindo o sangue da presa. Nadando com medo pela vida.
Capotando.
Caindo em mandíbulas.
Dentes que rangem.
Ela distrai a todos.
A sereia de Fiji.
Ela vai deixá-lo saber.
O tempo está vindo para se alimentar e roer).
Nosso orgulho nacional, Sepultura, também mostrou que conhece de literatura mundial. O décimo álbum de estúdio da banda mineira, Dante XXI, lançado em 2006, foi baseado na saga italiana A Divina Comédia, de Dante Alighieri, A odisseia pelo inferno, purgatório e paraíso à qual se lançou o personagem Dante é refeita musicalmente pelo som pesado da banda. Segundo o atual vocalista Derrick Green, ele mesmo deu a ideia do álbum, a qual foi acatada pelos demais membros do grupo. Inclusive, conforme o baixista Paulo Xisto, a ideia era fazer a trilha sonora para o livro.
“Nothing seemed to go as planed
It makes no difference with the choices I make
I’m convicted in life
Don’t want to make the same mistakes”
(Nada pareceu ir como planejado
Não faz nenhuma diferença com as escolhas que eu faço
Eu estou condenado em vida
Não queira cometer os mesmos erros)
***
Indicações de Walter Bach:
Agalloch – Faustian Echoes (EP homônimo, 2012)
“I Johannes Faust
Do call upon thee Mephistoheles
[…]
Then thou dost lead me to a sheltering cave
And revealest me to myself and layest bare
The deep mysterious miracle of my nature”
“Eu Johannes Fausto
Chamo a ti Mephistopheles
[…]
Então tu me conduziste a um abrigo cavernoso
E revelaste a minha mais descoberta camada
O profundo e misterioso milagre da minha natureza”
Fausto, obra-prima do alemão Goethe, é uma narrativa contada em versos sobre o doutor Fausto, história de um homem
que sela um pacto com Mephisto. Da jornada do doutor, homem inclinado para a introspecção e mesmo dotado de grande intelecto ainda infeliz, o Agalloch extraiu um épico de 20 minutos frio, cru e pesado como só eles sabem fazer, e em um perfeito casamento com a parte obscura do poema de Goethe.
Iced Earth – Frankenstein (do álbum Horror Show, de 2002)
“I will create in my own image
If God can then why can’t I ?
[…]
The monstrosity comes alive
A victimof man’s vanity
Born in delirium, a deranged child”
“Criarei em minha própria imagem
Se Deus pode então por que não eu?
[…]
A monstruosidade vive
Vítima da vaidade do homem
Nascido em delírio, uma criança demente”
Literatura é uma das inspirações do Iced Earth, desde a Dante’s Inferno mencionando a Commedia a leves citações a Shakespeare. O álbum Horror Show é a melhor amostra, pois todas as músicas mencionam livros e filmes, desde O Fantasma da Ópera, Drácula e Frankenstein, de Mary Shelley. A história da criação de um novo ser pelo homem e seu delírio enquanto questiona e se imagina Deus é retratada fielmente nesta interpretação do Iced Earth.
Celtic Frost – Tristesses de la Lune (do álbum Into the Pandemonium, de 1987)
“As some fair women, lost in cushions deep
With gentle hand caresses listlessly
The countour of her breasts before she sleeps”
“Enquanto uma mulher justa, profundamente perdida em suas almofadas
Com uma mão gentil descuidada lista
O contorno de seus seios antes de dormir”
Uma colheita maldita no jardim das Flores do Mal de Charles Baudelaire bastou para o Celtic Frost. A flora entorpecente de Baudelaire é uma interpretação sobre beleza, decadência, tédio e erotismo, cultivada com muito simbolismo em seu jogo de palavras. Funcionou muito bem para o Celtic Frost, em especial pela banda ter feito duas canções em menção ao Flores do Mal: uma versão em inglês, Sorrows of the Moon, em Heavy/ Black Metal tocada pelo Celtic Frost, e essa versão recitada em francês, tão atmosférica quanto bizarra.
Portal – Omnipotent Crawling Chaos (do álbum Outré, de 2007)
“No great thought may follow there
Atop seven golden stairs of cold kadath
[…]
Summon the machine, ominpotent crawling chaos
Open our minds to the void”
“Nenhum grande pensamento pode [te] seguir ali
No topo das sete grandes escadarias da fria Kadath
[…]
Invoque a máquina, onipotente caos rastejante
Abra nossas mentes para o vácuo”
Dois guitarrista ignorantes (um com guitarra de sete e outro com uma de oito cordas), um baixista e um baterista retardados e um vocalista com um capacete mistura de máquina de lavar com relógio cuco, encapuzados e tocando uma mistura caótica de Death/Black Metal. Na produção atual há maior presença de uma mitologia criada pela banda, muito inspirada em criaturas fantásticas além da compreensão humana, mas em álbuns anteriores eles bebiam os ominosos livros de HP Lovecraft até cansar. Lovecraft escreveu sobre perder-se em Kadath, Innsmouth e percorrer dimensões universais oníricas, além de nos apresentar a amistosas criaturas intraduzíveis, e musicalmente o Portal é um dos seus discípulos mais fiéis.