12 de outubro – Dia das Crianças; e tem coisa mais impactante do que ver uma criança, desde pequena, agarrada a um livro? E quantos de nós que hoje somos leitores contínuos, verdadeiros apaixonados pela leitura, deram seus primeiros passos ainda na mais tenra infância? Os colaboradores do Homo Literatus resolveram relembrar estes momentos.
Lançamos um desafio, falar sobre os livros que marcaram nossa infância. Abaixo, você terá uma série de testemunhos desta relação “criança-livro”; e claro, também poderá contar a sua história nos comentários!
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Vera Helena Saad Rossi:
Cabra-Cega, de Eva Furnari
Ganhei o meu primeiro livro quando ainda não sabia ler. Um livro sem texto. Apenas figuras e uma enorme vontade de se preencher o que não estava escrito. O livro exerceu em mim tamanho fascínio que seus personagens e suas cenas se
perpetuaram em minha memória: aquele senhor alto e magro, aquele sorvete a se derreter nas mãos de um sorveteiro cansado, aquele dia verde e quente, aquela criança que também era eu, hipnotizada ante um mundo por se descobrir. Inventava histórias infinitas, que por vezes se encontravam, por outras se escondiam, por outras não se repetiam e por outras se copiavam. Aos quatro anos de idade fui enfeitiçada de fato pela magia da ficção. Seu feitiço permeou minha vida sob a forma de outros livros, estes já com textos, palavras, mas sem imagens, um ponto a favor à minha imaginação. O que me faz ainda hoje inventar histórias. E ainda hoje abrir um livro como quem nasce. OBS: Pelo fato de ainda não saber ler não tenho certeza de que seja Cabra-Cega meu primeiro livro, mas, de acordo com as minhas pesquisas é o que mais se assemelha ao que “lia” aos quatro anos de idade.
Cecilia Garcia:
Meu pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos
Este livro, sem dúvida, me marcou. Li com a minha mãe, toda noite e já não era tão pequena. No entanto, as aventuras de Zezé, o solitário menino que falava com sue pé de laranja lima, e que era incrivelmente arteiro, ensinaram-me um dos sentimentos mais nobres e bonitos que tenho certeza de que nunca me livrarei: a compaixão. Está na lista dos que lerei com os meus filhos um dia, então parte dele já se tornou eterno.
Vilto Reis:
Zezinho, o dono da porquinha preta, de Jair Vitória (Coleção Vaga-Lume)
Ainda hoje, acho estranho que esta história tenha me marcado tanto. Eu tinha oito anos quando li este livro, mas algo me tocou profundamente. Não sei se pela relação tempestuosa do menino Zezinho com seu pai, ou se pela ousadia que ele teve em sustentar a grávida porquinha de estimação numa gruta – quando seu pai lhe disse que deveria tirá-la de casa –, mas o fato é que me envolvi emocionalmente com a história. Marcou a minha infância e ajudou a me impulsionar na paixão pela leitura.
Nicole Ayres:
Arco-iris, de Gaby Goldsack
Eu devia ter cerca de 5 anos quando comprei este livro na Bienal, num passeio de escola. Eu lembro que nem sabíamos ainda fazer as contas direito e pedíamos ajuda da professora para comprar. Eu fiquei louca quando vi esse livro, que, confesso, julguei pela capa: uma capa linda e colorida, com uma coelha colhendo flores no jardim. A história é bem ingênua mesmo, sobre uma família de coelhos (sempre fui apaixonada por coelhos). Os filhos presenteiam a mãe com um arco-íris de flores e a deixam emocionada. Marcou muito a minha infância, até depois de aprender a ler, eu lia e relia e revia as figuras. Tanto que minha mãe guardou o livro de lembrança.
Márwio Câmara:
Memórias da Emília, de Monteiro Lobato
Eu poderia falar de quase toda a obra infanto-juvenil deste respectivo escritor, a começar por Reinações de Narizinho, o meu grande sonho de consumo da infância (e que eu só pude (re) adquirir, não apenas este, mas alguns dos outros volumes de uma coleção clássica de capa dura verde, da editora Brasiliense, publicada em 1960, que minha mãe tinha, há
pouquíssimos anos, para a minha felicidade, numa feira de livros). Mas foi com Memórias da Emília, ainda molecote, que eu embarquei nas fabulações pretensiosas da emblemática boneca de pano com o seu escrivão intelectual, o Visconde de Sabugosa, a fim de narrar suas memórias. Hoje, com uma visão mais amadurecida da obra, vejo que o livro é pura filosofia, e Emília fala exatamente sobre “as mentiras” forjadas em biografias ou autobiografias, para dar ao seu biografado um ar de pessoa “interessante”, mesmo que em vida não tivesse sido. Trecho do livro narrado pela boneca: “Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de jeito que o leitor fique fazendo alta ideia do escrevedor. Mas para isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem que mentir com muita manha, para dar ideia de que está falando a verdade pura.” Tudo isso num livro infanto-juvenil. Não é à toa que considero Monteiro Lobato o meu grande padrinho literário.
Sté Spengler:
Harry Potter e a pedra filosofal, de J.K. Rowling
Eu cresci folheando os gibis do meu pai e ouvindo minha mãe narrar a história de princesas em seus castelos, mas eu realmente mergulhei no mundo das letrinhas quando conheci o “menino que sobreviveu” – ele mesmo, Harry Potter. Dizem que os livros nos dão um lugar para ir quando precisamos permanecer onde estamos e foi isso que J.K.Rowling fez por mim. Harry Potter não é sobre bruxaria, e sim sobre coragem e lealdade. É um livro – na verdade uma série – que toda criança, seja ela de oito ou oitenta anos, deveria ler!
Cláudia de Villar:
O Veleiro de Cristal, de José Mauro de Vasconcelos
O que mais marcou? Por que não esqueci? Ainda não sei ao certo. Por incrível que pareça, a narrativa de vida da personagem principal me prendeu pela sua profundidade. Edu, um menino que, com suas
reflexões e fértil imaginação me fez ainda criança, repensar sobre a rejeição, o preconceito, os valores, a vida e, principalmente, os sonhos e o futuro.
Muito forte para uma criança? Pode ser. Mas nunca mais esqueci essa história repleta de fantasia e sem aquele tom final de “foram felizes para sempre”. Ensinando que a felicidade não é eterna e sim feita de pequenos momentos de alegria.
Até hoje, quando me vejo em ‘apuros’, ainda lembro-me do mundo particular de Edu e tento, à minha maneira, criar o meu mundo particular para sofrer menos as dores do mundo. Um livro forte… Uma história emocionante… Vale a pena ler!
Murilo Reis:
Açúcar Amargo, de Luiz Puntel
O inferno laboral enfrentado pelos cortadores de cana que deixam suas famílias para tentar a sorte no interior de São Paulo, onde o que manda é a lei do mais forte. Vale tudo para sobreviver. Essa é a síntese de Açúcar Amargo, narrativa pertencente à Coleção Vaga-lume, escrita por Luiz Puntel. Durante minha infância, morei num bairro periférico apinhado de boias-frias. Depois de ler esse livro, aos dez anos, passei a entender a dura realidade desses guerreiros dos canaviais.