Escrevo esta crônica no interior de um ônibus, pois foi em veículo tal que aconteceu a sem-vergonhice.
Sou um daqueles sujeitos abençoados por não passar mal ao ler dentro do ônibus. Tanto que armo as mais engenhosas técnicas para conseguir um lugar e me sentar ao subir no veículo. Isso vai desde uma análise geográfica-comportamental do ser humano ao entrar no ônibus, para saber como conseguir um assento sem precisar nocautear ninguém, até o uso de meus poderes mediúnicos e de dedução lógica, como se uma e outra coisa fossem o mesmo, para descobrir quem irá descer no ponto seguinte e ceder um lugar a este desequilibrado leitor que vos escreve.
Eis que em meu desejo insaciável de seguir frases e frases de livros, eu lia em meu e-reader, cuja menção da marca aqui carece de incentivo$ merchandisísticos e ainda assim será citada, um Kindle, o romance O complexo de Portney, de norte-americano Philip Roth. Para quem não conhece a obra, muito recomendada a pudicos ou impudicos, puros ou sujos, petistas ou nazidireitas, machadianos ou rosianos, padres ou não-pedófilos, freiras ou virgens, e a todos os outros opostos que vocês imaginarem; vale-se dizer que se trata da confissão culposa de um advogado de origem judaica que analisa sua história expondo como sua formação condena toda sua visão de mundo adulta.
(Tenho uma amiga, “C.”, para fins de privacidade fingida, que mandaria eu dar uma sinopse mais interessante, então vamos lá).
Outra versão para a história seria: o protagonista é um judeu-americano, punheteiro e maníaco-sexual (como a maioria dos homens) que tenta entender como diabos não consegue ser feliz por querer transar com o maior número de mulheres possível (como a maioria dos homens), diferente de seus pais que vivem uma vida familiar pacata. Embora, na realidade, ele seja um bundão que não sabe do que está reclamando (como a maioria dos homens).
(Melhor esta versão sobre o livro, C.?)
Bem, eu lia este livro no ônibus em meu Kindle quando passei para o capítulo seguinte. Estava bem acomodado, ainda que ao meu redor as pessoas se misturassem em uma só carne, não no sentido bíblico, por ser o horário de pico de todos os trabalhadores. Como ia dizendo, passei ao capítulo seguinte do livro e lá estava o título rothiano sem pudor algum: LOUCO POR BOCETA. Minha reação imediata foi olhar ao redor, dando de cara com uma mulher que me mirava com olhar de marsupial (googlar sobre marsupiais caso desconheça o olhar). Reagi com um sorriso amarelo, pela primeira vez, em muito tempo, desejando ser uma das pessoas que passa mal ao ler no ônibus. O que aconteceu na sequência? Tanto a mulher como eu seguimos com nossas vidas veladas, da mesma forma como a de tantas outras pessoas, espero, em que apesar da sexualidade estar eufórica feito cachorro que recebe o dono após as férias, exibimos o espanto diante da sexualidade do outro.
(C., me perdoe por este momento He-Man aqui no final).
Dito isso, preciso acrescentar que, naquele dia, aprendi algumas coisas: Philip Roth sabe como me prender por um título de capítulo; na próxima vez, indico o livro para a pessoa que pega carona na minha leitura tão interessada; e a melhor de todas, pretendo escrever um volume, começando por A história do olho e acabando em A casa dos Budas ditosos, de livros para chocar no ônibus.
Alguém tem uma sugestão melhor de título que 501 livros que sua mãe não deve ver você lendo em transporte coletivo?