Em Filosofia Mínima, Fischer trata de assuntos relativos à literatura de forma leve e agradável, com direito a ensinamentos baseados em vivências pessoais.
Quando se pega um livro não ficcional para ler, existe uma estranheza inicial. Para quem se alimenta de fantasia e a usa para tentar compreender a realidade, é difícil entrar em contato com algo que não faça parte direta desse campo. Mesmo que o assunto seja literário, a expectativa de um texto crítico é que ele seja formal, revestido de teorias e citações, de difícil acesso para os leigos. Hoje em dia, cada vez mais, esse conceito está mudando. O próprio site do Homo Literatus e vários outros referentes à literatura e cultura na Internet são exemplos da popularização da discussão artística. A escrita formal, de análises aprofundadas, fica mais restrita ao meio acadêmico. Mas o leitor comum não é mais excluído do cenário da crítica, podendo participar dela de maneira informal. Livros como Filosofia Mínima, de Luís Augusto Fischer, também ajudam a tratar temas relativos à literatura de forma leve, agradável e interessante. O estilo lembra o igualmente excelente Conversas com um Professor de Literatura, de Gustavo Bernardo.
Filosofia Mínima é dividido em quatro seções: ler, escrever, ensinar e aprender, palavras que compõem inclusive o subtítulo. O autor se propõe, em seus curtos artigos, a dividir um pouco de sua experiência como leitor, escritor, professor e aluno. Ele conta casos vividos em sala de aula, lições valiosas de professores e colegas, comenta sobre autores, críticos, questões do ensino e da leitura em si. Parece uma conversa prolongada, em que não se sente o tempo passar, porém nos marca profundamente e nos faz ficar pensando sobre seu conteúdo.
Fischer alega que gostaria de ter tido a oportunidade, em sua época de estudante universitário, de ler algo que lhe guiasse em sua profissão, como memórias e conselhos de um mestre, por isso registra sua experiência, na esperança de que seja útil para futuros professores ou interessados no tema. Há um teor bastante autobiográfico na obra, em especial na seção V, que fica como um “extra”, intitulada “O Autor se Apresenta”. Nessa parte, ele de fato conta sobre sua trajetória acadêmica, desculpando-se ao final pela longevidade do relato e pela possível vaidade embutida ao falar de si mesmo.
Ao longo do livro, são abordadas questões como a formação do leitor na escola (é ressaltada a importância de não subestimar os alunos, achando que eles não serão capazes de ler e compreender os clássicos); o direito de abandonar a leitura, caso esta seja desinteressante no momento; o mundo de possibilidades que a leitura abre, sendo essencial manter a mente aberta e não impor ideologias próprias ao texto; como a brevidade demanda tempo, porque revisar dá trabalho, mas influi na qualidade final da escrita; a importância de saber manter o foco no tema que se está trabalhando, em especial numa tese, e de passar uma mensagem de cada vez, construindo um todo coeso e organizado; como a racionalização do que sabemos intuitivamente é difícil; a relatividade das pretensas receitas para o sucesso no mercado editorial; a supervalorização do modernismo paulista no Brasil; a utilidade das trocas de opiniões sobre as leituras; o ensino tecnicista e anti-liberal de literatura no país, etc. Além disso, ele conta curiosidades como a leitora ideal de Kafka, uma menina que havia perdido sua boneca e foi consolada pelo escritor com a informação de que a boneca estava apenas viajando. Kafka escreveu cartas, adotando a voz narrativa da boneca, com relatos de suas experiências pelo mundo; a menina foi sua leitora ideal, pois estava disposta a acreditar naquela ilusão. Outra curiosidade é a história de Beethoven, que possuía um irmão rico e esnobe. Recebendo um cartão desse irmão assinado com o nome e a titulação “proprietário de terras”, Beethoven teria respondido com o qualificativo “proprietário de um cérebro”. Com isso, o autor nos incita a valorizar nossa capacidade intelectual como bem precioso. Saber pensar, ler, criticar, são privilégios que não devem ser desprezados.
Com muito humor e sensibilidade, Luís Augusto Fischer praticamente fornece ao leitor uma aula particular de literatura, com direito a ensinamentos baseados em vivências pessoais. Não é preciso ser professor para gostar do livro, porém, para os possíveis professores de literatura, a identificação é quase imediata.
Referência:
FISCHER, Luís Augusto. Filosofia Mínima: ler, escrever, ensinar, aprender. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2011.