A atmosfera singular de Luiz Alfredo Garcia-Roza em “Espinosa Sem Saída”

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Em Espinosa sem saída, Luiz Alfredo Garcia-Roza trabalha temas que vão além do simples rótulo de literatura policial

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Qualquer pessoa que mantenha conversas no mínimo esporádicas sobre literatura sabe empiricamente a importância do critério pessoal para uma avaliação do que é uma literatura bem feita. Aquele livro que você achou o suprassumo do gênero pode ser facilmente visto com desdém pelo seu interlocutor e vice-versa. No meu caso, costumo estimar a qualidade, via de regra, pela complexidade dos personagens, pela fluidez do enredo e pela ambientação.

Quer dizer, essas características, se bem desenvolvidas, me envolvem conformando aquele tipo de história que quando começo a ler passam-se horas e continuo ali, incansavelmente preso à narrativa, desejando chegar ao seu desfecho final, ao mesmo tempo em que lamento cada página virada que me expulsará definitivamente daquele ambiente fascinante.

Para mim, a literatura policial de Luiz Alfredo Garcia-Roza tem esse poder de atração, de motivar uma imersão na obra. Sua descrição do Rio de Janeiro, particularmente do bairro de Copacabana, com sua vasta e belíssima orla, suas trattorias, a impessoalidade do espaço onde as pessoas circulam aos montes, com suas histórias e preocupações, os prédios antigos com seus porteiros, suas galerias e restaurantes, tudo isso provoca uma forte percepção sensorial de uma parte da cidade.

O principal personagem nas obras de Garcia-Roza é o delegado Espinosa. Para quem pensa na imagem comum que se faz da Polícia Militar do Rio de Janeiro, corrupta e violenta, Espinosa é uma aberração. Frequentador de bons restaurantes e sebos, sensível à paisagem que o cerca, e envolvido numa relação amorosa moderninha com Irene, uma designer gráfica detentora de sucesso profissional em São Paulo e com passagem pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), o protagonista é, na verdade, um personagem envolvente.

Falando sobre seu trabalho de criação, Garcia-Roza, que estreou na ficção aos 60 anos, difere o crime sob o ponto de vista cartesiano – aquele no qual o crime é um problema a ser solucionado -, do crime visto como um enigma, que revela uma parte da verdade e oculta outra parte. Nesta outra parte, residem complexidades sociais, filosóficas, políticas, religiosas, dentre outras, que não são elucidadas plenamente a partir da descoberta do criminoso.

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Espinosa sem saída (Companhia das Letras, 2006)

É este o conceito trabalhado em Espinosa Sem Saída, lançado em 2006. Nele, um crime em um beco no alto de uma ladeira no final da rua Mascarenhas de Moraes, do qual os principais suspeitos são os convidados de um jantar de casa nova, mobiliza o delegado Espinosa. O homem assassinado com um tiro no peito é um sem-teto, idoso e desfalcado de uma das pernas.

A partir de então, somos levados a um ambiente onde a complexidade humana, aberta tal como a conhecemos, nos leva a um labirinto de possibilidades e prováveis desfechos. A tensão é permanente com desdobramentos que nos fazem consumir página por página como se nada mais existisse além da história.

Um dos suspeitos de cometer o assassinato é o arquiteto de interiores Aldo Bruno, casado com a psicoterapeuta Camila. Com dois filhos e uma notável estabilidade financeira, ambos compõem uma típica família da classe média urbana carioca. A instabilidade que é provocada na vida da família salta das páginas do livro e alcança o leitor, que não consegue ficar impassível à angústia de ser relacionado a um inquérito onde a polícia esmiúça cada possibilidade de alcançar o criminoso.

A suspeita e o jogo de mentiras e seduções são componentes vibrantes do desenrolar da história. O enredo, e isso é um ponto positivo, desdobra-se a partir de pessoas aparentemente comuns. Não há assassinos frios e calculistas, mas sim variáveis sociais e humanas muito bem construídas para se produzir o desfecho da história. É de tirar o fôlego e de manter o foco na leitura.

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