Luiz Ruffato: Eu me sinto um escritor que entrou pela porta dos fundos

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A história pessoal do escritor, considerado atualmente um dos grandes expoentes da literatura brasileira, é de superação. Filho de mãe analfabeta e pai pipoqueiro semi-analfabeto, Luiz Ruffato que já trabalhou como gerente de lanchonete, auxiliar em fábrica têxtil e atendente em botequim, disse ter se preparado “quinze anos até se tornar um escritor e publicar o seu primeiro livro.”

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Há quase um ano, o escritor mineiro Luiz Ruffato declarava o discurso de abertura (talvez o mais engajado e polêmico de toda a história do evento) da tradicional feira do livro de Frankfurt, na Alemanha. Discurso pelo qual Ruffato disse ao Homo Literatus, na tarde do último sábado (30/08), no Sesc Araraquara, que está “levando até hoje.”

O discurso, cujo primeiro parágrafo dizia: “O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora?”. Dividiu as opiniões em Frankfurt e expôs em 2013, no exterior, um Brasil marcado pela violência e pela desigualdade social.

Ainda hoje, as posições críticas do autor em relação ao país continuam as mesmas. Em um momento em que ele se referia à natureza de Eles eram muitos cavalos, livro que segundo Ruffato “não se trata de um romance, ou de crônicas, mas sim de uma instalação literária” o autor afirmou que “a violência no Brasil é endêmica.” Vencedor dos prêmios APCA e Machado de Assis de melhor Romance de 2001, Eles eram muitos cavalos é uma das obras mais importantes da trajetória literária de Ruffato, que também é jornalista. O livro encontra-se atualmente na sua décima primeira edição, revisada e definitiva, agora impressa e distribuída pela editora Companhia das Letras. “Não se trata de um livro sobre a violência ou o caos social, e sim sobre o não pertencimento das pessoas aos lugares em que elas estão, e isso gera a violência”, explicou o escritor. No entanto, Ruffato insiste que “cada um lê o livro da forma que preferir. Se todos tivessem feito a mesma leitura, eu não teria feito arte.”

A história pessoal do escritor, considerado atualmente um dos grandes expoentes da literatura brasileira, é de superação. Filho de mãe analfabeta e pai pipoqueiro semi-analfabeto, Luiz Ruffato que já trabalhou como gerente de lanchonete, auxiliar em fábrica têxtil e atendente em botequim, disse ter se preparado “quinze anos até se tornar um escritor e publicar o seu primeiro livro.”

Além disso, fala que os grandes obstáculos que enfrentou para chegar onde chegou estão relacionados aos preconceitos da linguagem:

“O principal obstáculo é o fato de que vivemos numa sociedade extremamente exclusivista. Pelo sotaque a pessoa sabe da onde você veio. Pela forma como você se coloca no mundo as pessoas sabem de onde você veio. Pelo seu tipo físico as pessoas sabem de onde você veio. Não é tão fácil assim.

“Eu me sinto um escritor que entrou pela porta dos fundos. Não tinha ninguém tomando conta, eu entrei. Mas não foi porque alguém permitiu, ou mesmo porque alguém tenha me ajudado. Nunca tive ajuda de ninguém, a não ser dos meus pais” revelou Luiz Ruffato ao Homo Literatus.

Sobre as influências literárias, Ruffato contou que admira muito Machado de Assis, Ignácio de Loyola Brandão e que se inspirou formalmente no romance Berlim Alexanderplatz de Alfred Doblin para compor a obra Eles eram muito cavalos, que segundo ele próprio possuí “a cidade de São Paulo como O Personagem Principal.”

Ruffato também mostrou grande admiração pelos escritores Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Mas admiti que não se pode deixar influenciar-se por eles, porque senão “Eles te matam. No sentido de que se você se deixar influenciar-se por ele (Guimarães Rosa), ele vem e te mata na escrita. Não te deixa ter a sua própria voz poética.” O escritor revelou também que divide os autores em dois tipos: autor estimulador e autor esterilizante. E neste caso, Machado de Assis é um autor estimulador e Guimarães Rosa é um autor esterilizante pois, “Ele (Machado de Assis) é tão generoso, que fala inclusive quem ele leu. Ao contrário do Guimarães Rosa, que você não sabe quem ele leu, e é tão emaranhado que vai te comendo aos poucos.” Luiz Ruffato é um escritor que lê a crítica literária. E considera Dom Quixote “Um romance pós moderno por excelência”.

Na semana passada, lançou na 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, o seu primeiro livro infanto-juvenil. O titulo é A história verdadeira do sapo Luiz pela Editora DSOP. Ele brinca e diz que é autobiográfico “porque o sapo sou eu, no caso”.

Questionado sobre que dica dá aos jovens que almejam ser escritores e estão começando, Ruffato responde “Leia. E só. O bom escritor é um excelente leitor. Ele tem que ser um excelente leitor para ser um bom escritor. E sem preconceito. Porque tem gente que fala assim ‘eu não gostei disso’. Se não gostou não lê. Não tem que gostar de tudo. É que nem amigos, você escolhe. Família a gente não escolhe. Mas amigos a gente escolhe. E literatura é a mesma coisa. Você vai escolhendo.”

O Homo Literatus ainda lhe pegunta: Então os livros são seus amigos? Ele ri e responde “Podemos escrever um Best Seller com este título. Os livros, nossos amigos! Olha que bonito isso. Os livros nossos amigos (risos)”.

 

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