Entrevista com Guilherme Smee: “A maior dificuldade para o autor é a pressa, a afobação e a ansiedade”

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Entrevista com Guilherme Smee, escritor, editor, e um dos autores da HQ Fratura Exposta.

Entrevista Guilherme Smee - Fratura Exposta - Portal Homo Literatus - Foto
Jader Corrêa, Guilherme Smee e Matias Streb (foto de José Borba).

Guilherme Smee tem 30 anos; é editor da Não Editora, autor dos livros Vemos as coisas como somos (IEL-RS/Corag), lançado em 2012, e Loja de Conveniências (Não Editora), lançado este ano. Participou de coletâneas como Ficção de Polpa (Não Editora), e colaborou no roteiro do premiado curta-metragem Todos os Balões vão para o Céu.

Seu mais recente projeto é a HQ Fratura Exposta, realizado em parceria com o quadrinista Jader Corrêa e o desenhista Matias Streb, que reúne doze revistas em quadrinhos, cada qual apresentando um novo capítulo da história.

A primeira edição, intitulada Degustação, foi lançada este ano.

Nesta entrevista, falamos sobre mercado editorial, gibis, divulgação, prêmios literários, e sobre a afobação dos novos escritores para publicar seu livro.

Confira na íntegra nossa conversa:

1. A HQ Fratura Exposta – Degustação é o primeiro capítulo de uma série de doze, sendo que cada um será lançado através de uma nova edição da revista. Por que vocês decidiram lançar cada capítulo em uma publicação avulsa, e não todos juntos, em uma mesma edição, como geralmente acontece?

Resolvemos lançar os capítulos em partes, primeiro para chamar a atenção dos leitores e de possíveis editores para o nosso trabalho. Também por que, assim, podemos financiar aos poucos os capítulos seguintes. Com o que arrecadarmos do capítulo um financiamos o capítulo dois, e assim por diante.

Entrevista Guilherme Smee - Fratura Exposta - Portal Homo Literatus - Capa2. Os 11 capítulos restantes da HQ Fratura Exposta já estão concluídos? Isto é, você e os demais autores da obra, Jader Corrêa e Matias Streb, já sabem como a história termina?

Sim. Comecei a escrever a história em 2007, e venho trabalhando nela desde então. Os capítulos estão todos escritos e concluídos, o que falta mesmo são os desenhos, cores, balonagem e letreiramento dos onze capítulos seguintes. No começo, cada edição do projeto seria desenhada por um artista diferente, mas resolvi depositar minha confiança no trabalho do Jader e do Matias. Eles já haviam sido parceiros em outros trabalhos, e também são artistas completos que desenham, finalizam, colorem. São pau pra toda obra.

3. Você é autor dos livros Vemos as coisas como somos, lançado em 2012, e Loja de Conveniências, lançado este ano. Você também é editor da Não Editora, o selo responsável pela publicação de seu último livro. Contudo, a HQ Fratura Exposta – Degustação foi lançada sem nenhum selo editorial. Por que optaram por publicar a revista independente?

A Não Editora e a Dublinense – a marca guarda-chuva da Não – não se envolvem com projetos de quadrinhos. Então resolvi lançar por conta própria e assumir os ônus e os bônus do projeto. Mas estamos procurando editoras que trabalhem com quadrinhos, e que estejam dispostas a se aventurar nessa empreitada para serem parceiras de publicação da Fratura Exposta.

4. Em sua opinião, as editoras ainda possuem ressalvas no momento de publicar histórias em quadrinhos? Como você vê o espaço destinado aos quadrinhos no mercado editorial brasileiro?

Muitas ressalvas. Com a Não foi assim. Não há muita confiança de que os quadrinhos sejam um mercado de valor, por preconceito ou por falta de informação. Porém, vejo que muitas editoras têm tentado penetrar no mercado de quadrinhos, principalmente através de adaptações literárias em arte sequencial, para venderem seus produtos para o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola). Mas também vejo que o mercado de quadrinhos está amadurecendo seu melhor lado, que é o lado autoral. Temos muitos quadrinistas completos que desenham e escrevem suas HQs. Também estamos tendo um proliferação – ainda que em menor escala – de roteiristas que só escrevem. Ao mesmo tempo, a Maurício de Sousa Produções tem prestado um enorme serviço ao mercado nacional, ampliando seus horizontes através de revistas seriadas como Turma da Mônica Jovem, ou pela bela iniciativa capitaneada pelo Sidney Gusman, da Graphic MSP, que valoriza os autores nacionais criando novas versões de seus personagens famosos. Tanto a TMJ como a Graphic MSP são fenômenos de vendas. A TMJ já ultrapassou os 400 mil exemplares de tiragem, coisa que nenhum livro alcança, e se trata, vale frisar, de uma revista seriada, que tem todo mês na banca. Já as Graphic MSP são uma janela e tanto para seus autores. Tanto é que Danilo Beyruth (Astronauta: Magnetar) e Vitor Cafaggi (Turma da Mônica: Laços) já emplacaram séries próprias pela multinacional Panini, e hoje são celebridades do quadrinho nacional. Então acho que o mercado de quadrinhos, apesar da crise econômica mundial, só tem a crescer. Por isso mesmo quero mostrar meu trabalho e fazer parte deste “mundo mágico”.

5. A HQ Fratura Exposta – Degustação informa, já na capa, que a publicação é recomendada somente para maiores de dezoito anos. Porém, durante muitos anos, houve uma ideia generalizada – apesar de equivocada – de que histórias em quadrinhos eram somente para crianças, e não para adultos. Você acredita que esta percepção está mudando? E por quê?

A percepção muda para quem tem a mente aberta, e não tem medo de experimentar outro tipo de leitura, diferente da que está acostumado. Mas, sim, vejo que a percepção está mudando, principalmente graças aos filmes de quadrinhos de super-heróis. Cada vez mais vemos um público massivo prestigiando este tipo de filme, tanto que temos a maioria dos campeões de bilheteria inseridos neste contexto. Quem vai assistir a esses filmes, em sua maioria não são crianças, mas pessoas que cresceram lendo este tipo de quadrinho e agora estão redescobrindo os mesmos. Pessoas que, quando eram crianças, não eram bem vistas por lerem esse tipo de revista, e hoje podem “sair do armário” nerd sem reprimendas. Hoje temos fóruns de discussão para quadrinhos, temos comunidades no Facebook, blogs (inclusive o meu www.guilhermesmee.com), podcasts e videocasts dedicados inteiramente aos quadrinhos. Se Hollywood vê nos quadrinhos uma solução para seus problemas criativos e uma mina de ouro, eles não estão mirando um público infantil, sem poder aquisitivo. Como eu disse, só não enxerga isso quem não quer.

6. Sabemos que os custos de produção e impressão no Brasil são altos. A HQ Fratura Exposta – Degustação possui um excelente trabalho gráfico e impressão de qualidade, além de ser toda colorida – o que costuma aumentar ainda mais os investimentos em impressão. Como vocês viabilizaram este primeiro lançamento? E como pretendem viabilizar os próximos?

Viabilizamos com nosso próprio bolso. Paguei os artistas e, juntos, pagamos os custos de impressão. Para viabilizar os custos, contamos com os leitores de quadrinhos e os leitores desta entrevista, que apoiam o quadrinho indie e o quadrinho nacional, para nos ajudar a fazer a próxima, a próxima, e a próxima revista Fratura Exposta, sempre revelando uma surpresa por edição.

7. Quais as principais dificuldades encontradas para lançar a HQ Fratura Exposta – Degustação? E como estas dificuldades foram superadas?

As dificuldades sempre são monetárias, porque, além de pagar os artistas, que não podem dedicar todo seu tempo e dinheiro num único projeto, também existem os custos de impressão. E pra fazer um trabalho que não seja mal-acabado e que chame a atenção do leitor, é preciso investimento. De tempo, de energia (divulgando a HQ em eventos, sites, pessoas de interesse), e claro, de dinheiro.

8. Como está sendo a recepção do público e da mídia em relação ao lançamento da HQ Fratura Exposta – Degustação?

A HQ tem sido bem recebida, principalmente em nosso estado natal, o Rio Grande do Sul. Lançamos a HQ na Feira do Livro de Canoas e na Multiverso ComicCON. Estaremos presentes também na Feira do Livro de Porto Alegre. Ainda participamos da GibiCon Curitiba, onde realizamos outro lançamento, que foi muito bem recebido.

9. A HQ Fratura Exposta – Degustação possui três autores: você, Jader Corrêa e Matias Streb. Qual o papel de cada um na elaboração da obra?

Eu sou responsável pelos roteiros. No caso, roteiros completos, com descrição de cenas e diálogos. Não é um caso de roteiro colaborativo, embora eu prefira trabalhar assim. O Jader faz os desenhos (no estilo Joe Kubert) e as cores de praticamente 75% das revistas. Já o Matias, com sua bela arte pintada à la Alex Ross, faz as sequências de flashback, sonhos e alucinações, conferindo um grau de realismo maior para cenas com menor conexão com a realidade.

10. Um problema enfrentado por autores independentes é a divulgação de sua obra. Sabemos que grandes veículos de comunicação não costumam dar espaço para publicações independentes, e quando dão, geralmente é mediante um alto investimento financeiro.

De que maneira vocês estão divulgando a HQ Fratura Exposta – Degustação?

Estamos divulgando em todos os eventos possíveis. Em lançamentos e encontros de fãs, que é onde encontramos maior abertura e aderência. Nossa HQ, na época do lançamento, saiu em sites especializados, como Universo HQ e HQ Maniacs. Mas também tivemos a foto do nosso lançamento divulgada na Revista Mundo dos Super-Heróis, o que foi uma surpresa muito legal por parte do editor, o Manoel de Souza. No mais, é boca a boca e internet.

11. A distribuição também é um desafio para autores independentes e pequenas editoras, uma vez que as livrarias costumam solicitar 50% de desconto sobre o preço de capa, além das despesas com o frete, que ficam sempre por conta do autor e/ou da editora. Tudo isso termina por prejudicar a distribuição em livrarias, uma vez que, exigindo 50% de desconto e o pagamento do frete, praticamente desaparece o lucro do autor e/ou da editora.

Qual a tiragem desta primeira edição da HQ Fratura Exposta – Degustação, e como vocês estão trabalhando para distribuí-la?

Fizemos uma tiragem ousada para uma história em quadrinhos independente: 300 exemplares. Mas tivemos sorte no caso das livrarias, pois buscamos lojas especializadas que não trabalham com mais de 30% sobre o valor de capa. Aqui em Porto Alegre, nossa publicação está disponível na Livraria Londres e na Palavraria. Também na loja virtual especializada Punch Comics. Estamos fazendo parceria com a Itiban, de Curitiba, e com a Comix, de São Paulo, para disponibilizar a obra também através delas.

12. Quanto foi necessário investir, entre tempo e dinheiro, para que a HQ Fratura Exposta – Degustação fosse lançada?

Tempo, desde 2007 até agora, na luta. Em dinheiro, como diria a Copélia, prefiro não comentar.

13. O que você pensa sobre o financiamento coletivo promovido por sites como Catarse e Benfeitoria? Já cogitou utilizar este método para concretizar o lançamento das próximas edições da HQ Fratura Exposta?

Sim salabim! Estamos preparando nosso projeto no Catarse, e vai ficar muito legal. Mas por enquanto não posso adiantar muito.

14. Qual a sua opinião sobre prêmios editoriais, como o Jabuti e o HQ Mix? Vocês pretendem inscrever a HQ Fratura Exposta – Degustação para concorrer em alguma premiação? Se sim, em qual/quais?

Acho que Jabuti para uma HQ independente é muita pretensão. O HQMix e o Prêmio Ângelo Agostini têm sido grandes divulgadores das HQs nacionais, então somente uma indicação já seria um prêmio, pois ajudaria na divulgação e disseminação do nosso trabalho pelo país. Quem dera tivéssemos mais prêmios assim, e mais incentivos públicos e privados para a produção de quadrinhos no Brasil. Pretendemos inscrever a obra nestes prêmios quando já tivermos um material mais polpudo, como uma compilação. Por enquanto nossa vontade é viabilizar nosso trabalho e ser apreciado pelos leitores.

15. Que dica você daria para o autor de histórias em quadrinhos que está começando, e não sabe exatamente como proceder para produzir e publicar sua HQ?

Bem, na verdade eu também estou começando, e tenho muita poeira pra engolir nessa longa estrada da publicação independente. Mas o ideal é que leia muito, principalmente se quer ser roteirista. Leia muito e consuma muita cultura pop, se pretende trabalhar com quadrinhos. Entenda a cultura e seu público, conheça um pouco dos bastidores das produções, procure entrar em contato com as pessoas que publicam quadrinhos perto de você, e seja sempre humilde, seja legal, como disse o Vitor Cafaggi na sua palestra na GibiCon. Conheça a história do meio e procure saber o que já foi feito e o que não foi feito ainda em matéria de quadrinhos. Não tenha preconceitos, nem com as pessoas, nem com as histórias. Leia de tudo e conheça todo o tipo de gente, porque é isso que vai compor as suas histórias daqui pra frente. Este é o básico, o resto é técnica. Precisa ter muita vontade, insistência e amor pelo que faz.

16. Você acredita que a comercialização de espaços publicitários ainda é a melhor opção para autores viabilizarem os lançamentos de suas obras?

Para os autores, não. Para as editoras, acho que sim. Não vejo uma HQ independente com anúncios, até por que, deixaria de ser in e seria dependente. Mas conversando com profissionais da área, vejo que o mercado publicitário e os departamentos de marketing das empresas ainda desconhecem esse mercado. Que, sim, é um mercado de nicho, com tiragens pífias comparadas a uma Veja, ISTOÉ, Playboy, Nova; mas a segmentação é uma tendência, e recomendo para autores, editores e publicitários darem uma olhada no livro A Cauda Longa, de Chris Anderson, para entenderem melhor esse movimento. Hoje, não vemos mais anúncios publicitários em gibis, porque as tiragens diminuíram de 200 mil (anos 80) para menos de 20 mil (em 2000) nos gibis de super-heróis. A publicidade/divulgação de quadrinhos se constrói mais no boca a boca e na crítica de sites e especialistas. Mas gostaria muito que os quadrinhos voltassem a ser case de veículos de mídia; só é necessário encontrar um planejamento de marketing eficiente e quebrar aquele preconceito bobo, do qual falamos anteriormente.

17. Enquanto editor, como você vê o mercado editorial para o novo autor? E qual a maior dificuldade enfrentada pelos novos escritores brasileiros atualmente?

Complicadíssimo. Acho que a maior dificuldade para o autor é a pressa, a afobação e a ansiedade. Eu demorei a lançar meu livro. Fundamos a Não Editora em 2007, e eu publiquei meu livro somente este ano – apesar de tê-lo escrito em 2010. Mas todos os escritores acham que já estão prontos, quando o processo para escrever um livro é lento e trabalhoso. Escrever, reescrever, decantar, peneirar, revisar, cortar. E só aí procurar publicar. A partir de então, em tese, as dificuldades são da editora. Em tese.

18. Em sua opinião, dá para viver de literatura no Brasil?

Bem capaz. Esto non ecziste.

19. Já existe uma previsão de quando será lançada a edição #2 da HQ Fratura Exposta?

Estamos fazendo o possível para lançarmos a Fratura Exposta #2 – Obrigado Não na Feira do Livro de Porto Alegre. Vai ser bem interessante este número, pois terá temática LGBT, um assunto que nem todo mundo ousa discutir. Prometemos boas surpresas, tanto no texto como na arte.

20. E por fim, quais são teus planos daqui para frente, Guilherme?

Ser feliz. Hehehe. Não, tou brincando. Meus planos são lançar a nova edição da Fratura e o meu livro, Loja de Conveniências, na Feira do Livro de Porto Alegre. Também estou planejando uma compilação de histórias em quadrinhos de vários autores para o último trimestre de 2014, que está em fase de desenho. Colaborar com publicações de quadrinhos, viabilizar uma HQ infantojuvenil que estou produzindo com a Roberta Nunes, chamada Mundo dos Feriados, e um projeto beeem legal de financiamento colaborativo sobre autores de quadrinhos com nomes importantes da cena nacional, este último para 2015. Ufa! SÓ isso. Espero que consiga sobreviver. Obrigado pelo espaço e adorei as perguntas!

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