As coisas começam no chão. Talvez por esta frase você já tenha percebido que este texto vai tratar de Manoel de Barros. Se não percebeu, então talvez esteja na hora de saber porque a simples frase do início define bastante a poesia deste homem “desimportante” (porque pra ele não há elogio maior do que este).
Talvez eu não devesse usar tanto a palavra talvez, mas se você procura uma orientação definidora, que vá lhe dizer “como é fundamental conhecer Manoel de Barros”, não vá esperar demais. Saiba desde já que a maioria dos bons escritores vai nos “abduzir” com seu magnetismo e genialidade. E Manoel de Barros talvez o abduza destas “alturas” onde talvez você ache que estão os importantes escritores da história da literatura. Que tal rolar no chão das possibilidades?
Manoel de Barros não fala com palavras. Ele de certa forma não quer nem saber delas. Uma palavra com limitados caracteres encerra, aprisiona uma poderosa imagem. Uma palavra cerca, encarcera, oprime a riqueza da comunicação de algo belo. Além do que se lê. Juntar a letra “a” com letra “r” nos dá a palavra “ar”. Mas o que é o “ar”? Como nos parece esse “ar”? Onde ele está? Sua cor, seu peso, sua forma? Sua textura? O que o “ar” nos faz sentir? Etc. etc. etc…
Eis a fundamental preocupação (ou talvez nem seja preocupação) de Manoel de Barros. Um verso é um ser carregado de sentidos, pois as palavras contidas nele são mais do que aparentam ser. Pois ele sabe que quem lê, tem capacidade de extrair o ínfimo e o infinito, seja o que for. A capacidade de linguagem, comunicação, escrita, não tem mesmo um limite. E não é papo de intelectual pedante que fala sobre os horizontes infinitos da poesia. Há mesmo um sentimento contido nos poemas de Manoel de Barros, e para ler cada um deles, precisamos ler sentimentalmente. E esta via é Schopenhaueriana; pois se há uma coisa que o mestre alemão disse com clareza foi: “o sentimentos são o que decifram o enigma do mundo”.
Difícil compreender. Mas Manoel de Barros nos faz uma controversa, mas excitante, proposta:
“desaprender oito horas por dia ensina os princípios”
Parece mesmo difícil não interpretar isto como embrutecimento, ou um elogio da ignorância. Mas se o sentido, ou melhor, se a imagem é a de perdermos o desnecessário desta “sabedoria” prática efetiva que nos reduziu a autômatos que se extasiam com frases de efeito, cenas grandiosas, enormes clichês que alimentam nossa catarse, então prefiro mesmo desaprender tudo isso. Porque talvez tenhamos esquecido a importância do ínfimo diante do absolutismo desta idéia de que o Eterno é que é o Belo. Quem disse? Alguém bateu no seu ombro e falou:
– Ei, só é Belo tudo o que é Eterno, infinito, transcendental.
Aí você acreditou? Não deixe o peso da História da Literatura Oficial esmagar o seus ombros e fazer com que você se ajoelhe diante destas verdades que muitos dizem por aí. Você tem dois ouvidos, ou melhor, dois olhos para sintetizar tanto o Infinito quanto o Finito na Literatura, tanto o Transcendente quanto o Imanente, tanto o Universal quanto o Particular deste vasto mundo das Letras.
E não há poeta melhor para nos jogar no chão dessas possibilidades do que Manoel de Barros. (Ele não concordaria com minhas palavras, principalmente a de que “é o melhor”) Mas façamos o seguinte. Deixemos de falar, de encadear palavras e vamos direto as belas imagens deste belo poeta. (e “belo” talvez seja um elogio que ele aceitaria, mas a palavra é curta demais para convencê-lo). Abaixo está uma das imagens de Manoel de Barros que nos fazem pensar paradoxalmente que o Infinito está no Finito e vice-versa.
Uma Didática da Invenção (do”O Livro das Ignorãnças”)
I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca
b) O modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.