Maravilhas para dentro da cabeça: aventuras de Alice descobrindo um País

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Esse país de maravilhas é muita viagem para você?

Lewis Caroll: falta sair da poltrona e viajar no país das maravilhas
Lewis Caroll: falta sair da poltrona e viajar no país das maravilhas

O primeiro livro de Charles Lutwidge Dodgson (mais conhecido como Lewis Carroll) foi Syllabus of Plane Algebraical Geometry, um tratado de Matemática escrito em 1860. Além da Matemática, outra grande paixão do autor era Fotografia. Tirava retratos de meninas entre oito e 12 anos de idade. Filho de um pastor anglicano, ele tinha dez irmãos e cresceu num ambiente onde aprendeu a contar histórias e cuidar de crianças. E foi para uma delas (a menina Alice Liddle, amiga de suas irmãs) que escreveu o livro que o inscreveria definitivamente no rol dos grandes mestres da literatura infantil: Alice no País das Maravilhas.

Trata-se duma obra com doze capítulos que contam as aventuras de uma garotinha desde o momento em que viu um coelho branco passando correndo perto dela – coelho este que repetia para si mesmo que estava prestes a se atrasar. Alice, a pequena heroína da história, de início não se admirou por se deparar com um coelho falante. A surpresa só lhe veio à mente quando o bichinho tirou um relógio do bolso do colete, deu uma olhada no mostrador e seguiu apressado.

Ao entrar na toca do coelho, Alice penetra num mundo paralelo, regido por lógicas próprias (ou por uma inversão das leis naturais). Entretanto a alteração do mundo se mostra não só como um fenômeno exterior, mas também como uma modificação no próprio modo de raciocínio da menina – uma mudança interna, portanto. Um coelho falante, de início, não parece algo estranho para Alice: a mente dela já começa a se tornar também um “País das Maravilhas”.

No capítulo dois ela se sente diferente, pergunta-se até se não poderia ter sido trocada por outra criança. Ainda seria ela própria, ou teria se tornado alguma de suas amiguinhas? O fato é que mudara bastante desde que descera pela toca do coelho. Então testa a própria mente, lembrando-se da tabuada, mas o que sai de sua boca não corresponde a nossa multiplicação usual: “quatro vezes cinco é doze, quatro vezes seis é treze…”. E a Geografia no cérebro de Alice diz que “Londres é a capital de Paris, Paris é a capital de Roma…”. Os poemas que tenta recitar surgem com versos bem diferentes dos originais. Assim – premeditadamente ou não – Lewis Carroll acaba tecendo uma sátira à cultura de memorização vazia promovida pela escola tradicional e também à literatura tida como elevada e edificante. Vale destacar que, bem no inicio do primeiro capítulo, Alice se mostra entediada ao espiar o livro que a irmã lia: um volume maçante “sem desenhos ou diálogos”. O sono, que o livro desinteressante induz, leva Alice ao País das Maravilhas – ao mundo fabuloso que a literatura deveria ser para a mente infantil.

Neste país maravilhoso, a garotinha diminui e aumenta de tamanho várias vezes no decorrer da história, dependendo do tipo de alimento que ingere. Conhece vários personagens insólitos: o sorridente Gato de Cheshire (o qual aparece e desaparece quando quer), o Chapeleiro Louco (que diz conversar com o Tempo) e a Rainha de Copas (que, quando contrariada, sempre esbraveja “cortem-lhe a cabeça!”).

A lagarta de Alice na versão da Disney
A lagarta de Alice na versão da Disney

Vale a pena também aos adultos lerem a obra. Aliás, alguns de seus episódios parecem mais adequados para quem já saiu da infância. É o caso do encontro de Alice com a lagarta azul. O inseto rastejante estava de braços cruzados fumando tranquilamente um narguilé, sentado num grande cogumelo, quando foi abordado pela menina. Esta desejava saber como aumentar um pouco de tamanho, já que havia encolhido. A lagarta lhe respondeu que comesse um pedaço do cogumelo: um lado do fungo a faria crescer, enquanto o outro a faria diminuir de altura. É muita viagem para você? Bem, não se escandalize: boa literatura é a verdadeira chave para as portas da percepção em qualquer idade.

Como diz a lagarta azul entre uma baforada e outra: “Não perca as estribeiras”.

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Autor do livro de crítica literária Malandragem, Revolta e Anarquia: João Antônio, Antônio Fraga e Lima Barreto (Editora Achiamé, 2005). Em 2011, recebeu menção honrosa no IX Concurso Municipal de Conto – Prêmio Prefeitura de Niterói com "O Anão", posteriormente publicado. Em 2013, obteve menção honrosa no 7º Prêmio UFF de Literatura, com o conto "(Des)encontro", incluído em antologia publicada pela EdUFF. Em concursos de contos do Centro Literário e Artístico da Região Oceânica de Niterói (CLARON) ganhou 1º lugar (em 2016), 2º lugar (2017) e 7º lugar (2018). No Concurso Literário Bram Stoker (contos de terror), foi contemplado com o 10º lugar em 2018.

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