Obrigar a criança a ler? Não, vamos conversar sobre outra opção para torná-la leitora.
Dia desses, enquanto eu lia um livro com mais de 800 páginas, sentada em um banco do parque da cidade onde moro, um senhor sentou-se ao meu lado para conversar. Ele tinha os cabelos e bigodes brancos e usava um boné azul para proteger a cabeça do sol da tarde. Geralmente, eu prefiro ficar em silêncio quando saio sozinha, é meu momento de escape de todo o barulho excessivo que nos rodeia no dia a dia. Mas o senhor era simpático, então não me importei. O que tinha chamado sua atenção era o livro em minhas mãos. Carlos se apresentou enquanto me dava um sorridente bom dia e logo em seguida me perguntou o que eu estava estudando naquela tarde ensolarada. Respondi que não era nada de estudo, era um livro de ficção e eu estava apenas aproveitando as horas livres.
Carlos então se apressou em me pedir conselhos, já que sua neta adolescente não gostava de livros, lia resumos dos livros que a escola passava para as provas e eu poderia dar alguma dica para que ela alimentasse o hábito. Confesso que, a princípio, não soube o que responder. Tentei me lembrar de que maneira alguém havia me estimulado a começar a ler e escrever e logo pensei nos livros obrigatórios da escola. Lembrei de como li cada pedaço preocupada em qual seria o trecho mais importante para o professor, qual iria cair na prova e qual eu deveria memorizar. Não era prazeroso.
Li alguns dos livros escolares tempos mais tarde e percebi o quanto o sabor daquela mesma leitura havia mudado. Ler é um tempo de prazer, de interesse próprio, de gostos diversos e não de obrigação. Tentei puxar a imaginação um pouco mais para o passado e logo me lembrei da saga de Harry Potter e o quanto aqueles livros enormes (para crianças de 11 anos) eram imensamente prazerosos. Com o riso pronto por essa lembrança, logo perguntei ao senhor: “Ela já leu Harry Potter? Poderia dar a coleção de presente a ela, eu adorava!” Sem pestanejar, Carlos respondeu meio decepcionado: “Ah… não é meio bobo? Gostaria que ela se interessasse pelos grandes clássicos.” Acredito que exatamente neste ponto, na obrigação por livros sérios, clássicos, grandes, instrutivos ou cults, que as palavras perdem mais um leitor em potencial.
Toda leitura é válida. Um autor nos leva a outro, um livro pequeno ou infanto-juvenil pode nos despertar o interesse por conhecer outras histórias, outros escritores, outros caminhos e quem sabe, até algum superestimado grande clássico. Foi o que eu disse ao Carlos, ele pensou um pouco e logo mais nos despedimos. Talvez ele tenha se convencido da desobrigação da leitura, talvez não.
Há alguns meses, conheci a chamada mediação de livros. Participo de um projeto em que uma das atividades é justamente tentar estimular o gosto prazeroso pela leitura ainda na infância. Nessa idade, as imagens ajudam bastante e há livros infantis e infanto-juvenis com histórias e ilustrações lindíssimas. O foco é justamente contar essas histórias com a ajuda das imagens e palavras, deixando o livro (como objeto em sim) mais próximo das crianças. As que ainda não sabem ler, podem escutar a história e em seguida, tentam nos contar o que acontece com personagens de outros livros através das figuras. Aquelas que já sabem ler são estimuladas a ouvirem as histórias e escolherem, em seguida, algum livro que queiram contar às outras crianças. Dessa maneira, a leitura torna-se um momento tranquilo, em grupo, de conversa e troca de experiências. Para as crianças, o livro pode sim ser um brinquedo. É importante que ela possa se sentir à vontade para manusear, pegar, virar páginas e descobrir.
Essa mediação (tranquila, que respeita o interesse e o momento de cada criança) pode ser feita por pais, outros parentes, professores, amigos. Estimulando o interesse pela busca, pela troca de experiências e pelo prazer sem obrigação é possível que cada criança faça do livro parte do seu próprio cotidiano, tornando-se um adolescente e adulto que lê, assim como realiza outras atividades. Sem extremismos. A leitura não precisa ser distante, classicista ou elitista e não precisamos reduzir todos os leitores a uma busca incessante apenas pelos grandes clássicos. Cada um pode descobrir o seu próprio caminho e se encontrar nas palavras de um determinado autor. Talvez, o melhor caminho para estimular a leitura, seja justamente, não desestimulá-la.