12 colaboradores do Homo Literatus indicam para vocês suas melhores leituras de 2017, este ano maluco e, aparentemente, sem fim
2017 foi/tem sido um ano muito, muito doido, não é? E pra tentar esquecer a realidade na qual nos encontramos, nós, do Homo Literatus… Bebemos? Às vezes. Temos insônia? Sim. Lemos? Bastante, sempre! Dessas leituras surgiram, novamente, este nosso tradicional e esperado texto de fim de ano. Nossos colaboradores indicam suas melhores leituras de 2017.
Alguns detalhes antes de partimos para indicações de melhores leituras de 2017. Os livros citados não necessariamente foram publicados em 2017. Apontamos para vocês as datas de primeira publicação dos livros, em sua língua original. E… esperamos que gostem das indicações. Depois não esqueçam de comentar quais foram as melhores leituras de 2017 feitas por vocês, leitores.
Vamos ao que interessa!
Melhores leituras de 2017
Oficina de escritores (2008), de Stephen Koch – por Vilto Reis
Sempre li vários livros sobre técnica literária. Mas desde que comecei a RUSGA – Cursos Para Escritores, descobri novos livros e fiz algumas releituras. Desses livros, Oficina de escritores – Um manual para a arte da ficção, de Stephen Koch, foi o que mais se destacou. A visão do autor a respeito da criação literária surpreende. Desde sua visão sobre ter ou não talento para a criação literária, até a formação da voz do escritor, passando pela infinidade de citações de pontos de vista a respeito dos temas mais variados do ofício do escritor. Stephen Koch foi professor do programa de pós-graduação em redação criativa da Columbia University. Sem dúvidas, neste manual ele coloca todo seu aprendizado, tornando-se um livro fundamental para todo escritor iniciante.
O Lobo da Estepe (1927), de Hermann Hesse – por Nicole Ayres
Obra-prima de Hermann Hesse, escritor alemão do início do século XX, O Lobo da Estepe acompanha a saga de Harry Haller. Um homem angustiado, intelectual e antissocial, que, aos cinquenta anos, pensa em tentar o suicídio, mas acaba redescobrindo os prazeres da vida, com a ajuda dos novos amigos Hermínia, Pablo e Maria, boêmios e artistas. Harry desenvolve o humor como mecanismo de sobrevivência. Aprende a rir de si mesmo e do mundo, cuidar do corpo tanto quanto cuida do espírito, engajando-se em atividades como a dança, e amar livremente. Como o próprio autor afirma no posfácio, apesar da temática densa da crise existencial enfrentada pelo protagonista, trata-se de um livro de redenção. Repleto de reflexões filosóficas e diálogos provocantes, O Lobo da Estepe nos coloca em contato com o lobo selvagem que nos habita e às vezes arreganha os dentes, apesar de tentarmos domesticá-lo.
Diário da Queda (2011), de Michel Laub – por Victor Simião
Confesso: sou um covarde no quesito “o melhor livro que li em 2017”. Eu poderia falar de vários, incontáveis, de infindáveis países, autores, editoras, gêneros. Entretanto, a chefe-mor Estela Santos [editora do HL] não permite. E ainda bem: caso contrário esse texto seria uma tese de doutorado. Pois bem: uma das minhas melhores leituras – tá, vá lá: talvez tenha sido a minha melhor leitura – neste ano foi Diário da queda, de Michel Laub. Publicado pela Companhia das Letras em 2011, o romance mostra a vida de um personagem a partir das memórias que ele tem do pai e das memórias que o pai dele tem do avô. Auschwitz, judaísmo, preconceito, amor, falta de amor, tudo isso se mistura em uma narrativa que se mostra poderosa ao mesmo tempo em que simples; e há algo especial na forma como a história é contada. E o final, ah: extremamente arrebatador. Valeu, Michel Laub.
Vaca de Nariz Sutil (1961), de Walter Campos de Carvalho – por Mario Filipe Cavalcanti
2017 trouxe muitas leituras e desgraças. No entanto, acredito que a leitura que pode representar um contraponto perfeito a esse ano e, assim, ser a melhor dele é: Vaca de nariz sutil, do Campos de Carvalho. No livro, o relato de um soldado raso que volta da guerra é só uma desculpa, não propriamente um enredo, para que toda a história verdadeira da vida do homem seja contada. O narrador personagem, que seria um herói da pátria até o dia em que, recebendo uma condecoração, mandou o público à merda, converte-se em anti-herói solitário. E é esse mesmo homem velho, calejado da guerra sem sentido e pouco afeito à moral e aos bons costumes, que tece em sua narrativa uma crítica certeira à família tradicional brasileira, à falsa moral e à escrotice da sociedade da virada do século. E, por que não, dos dias de hoje? “Vaca de nariz sutil” é um livro forte, de apenas 100 páginas. Uns dizem surrealista, poderíamos dizer um livro anarquista. E mais, teria o escritor sintetizado a ideia de Tolstói de Guerra e Paz, ali? Porque aquele livro é um manual sobre a guerra durante a paz e sobre a paz durante a guerra. Por fim, num ano de retorno do pensamento ultra-conservador e moralista cristão, bem como de caça à arte, sendo, ainda, o ano em que a burrice bestializante quer coordenar mostras em museus, leitores de Campos de Carvalho certamente correm risco de serem lançados às fogueiras. Mas vale a pena, porque livros assim devem ser lidos!
O morro dos ventos uivantes (1847), de Emile Brönte – por Dayane Manfrere
Reli esse livro por causa da faculdade e ele me envolveu de uma tal maneira que nunca imaginei que aconteceria. O amor de Cathy e Heathcliff nos diz muito sobre uma sociedade inglesa em ascensão, uma divisão de classes e um envolvimento com a psicologia maior do que podemos perceber numa primeira leitura. O Morro e a Granja determinam opostos importantes, assim como o próprio casal e seus subjacentes. Uma janela que separa além daquilo que está expresso, que divide e fragmenta. Quando li a primeira vez, acreditei ter apenas um amor mal resolvido que perdurou o pós morte. Mas não. A relação do casal figura o centro do complexo quebra-cabeça que Brönte montou. Com uma narrativa intercalada e repleta de outras narrativas, a história se desenvolve do gótico para o realismo, em uma certa “confusão” que tomava conta daquela Inglaterra também. O livro me envolveu tanto que se tornou uma das melhores leituras de 2017 e um dos livros favoritos na vida.
Goldfinger (1959), de Ian Fleming – por Fabrício Bittencourt
Na cultura popular talvez nenhum outro espião tenha se popularizado tanto quanto James Bond, também conhecido como 007. O sucesso disso se deve, em grande parte, a boa empreitado do personagem nas telas dos cinemas. Todavia, o que muitos acabam desconhecendo é que bem antes do agente secreto conquistar espectadores no mundo cinematográfico, ele já havia conquistado leitores. Bond, uma criação do escritor britânico Ian Fleming, teve sua primeira história publicada com Cassino Royale, de 1953. E dado o sucesso desta, obras subsequentes puderam vir à luz. Uma das melhores, sem dúvida, Goldfinger. O vilão, que dá título ao livro, muito além de um homem rico, é também um excêntrico obcecado por ouro — o que chama a atenção da inteligência britânica, o MI6, e seu melhor agente James Bond. Ao longo da narrativa personagens curiosos surgem e é revelado o ambicioso plano do ricaço: roubar o Fort Knox. Assim, para aqueles que desconhecem o espião enquanto personagem literário, a leitura de Goldfinger é uma porta de entrada para ele nesse universo. Além de o filme de mesmo nome, no qual 007 é interpretado por Sean Conery, ser considerado, das produções cinematográficas, o melhor da série.
A imaginária (1959), de Adalgisa Nery – por Márwio Câmara
Sem dúvida alguma, 2017 foi um ano montanha-russa em minha vida, por diversos motivos. O mesmo não poderia ter sido com as minhas leituras. Dentre as mais promissoras viagens literárias feitas, A imaginária, de Adalgisa Nery, ganha disparado. O primeiro romance da escritora, poeta e jornalista carioca é um tremendo clássico da literatura brasileira, embora reeditado há pouco tempo pela José Olympio, depois de décadas de total esquecimento do público e da crítica. Uma escrita poderosa, cheia de doçura misturada com tristeza e poesia. Fala sobre a infância, juventude e maturidade de uma mulher que tem uma sensibilidade encantadora para com a vida, e por isso é dada como estranha ou imaginativa quando pequena. O grande eixo da narrativa está na relação turbulenta que a protagonista viverá com o marido, no decorrer do casamento. Muitos críticos e pessoas próximas relatam que a narradora do livro seria a própria Adalgisa, recontando, de maneira ficcional, sobre a sua vida e a estranha relação abusiva que vivenciou ao lado do primeiro cônjuge, o pintor modernista Ismael Nery. Um livro perturbador e profundamente lírico, que precisa ser redescoberto e, sobretudo, lido por muitos leitores.
Origem, de Thomas Bernhard – por Antonio Munró Filho
Contundente, ácido, sarcástico, violento, cruel, irônico, doce e belo! Todos esses “rótulos” servem perfeitamente para descrever o livro Origem, de Thomas Bernhard, a melhor leitura que fiz em 2017. É preciso deixar bem claro que o livro trabalha com temas espinhosos, mas faz de uma forma tão verdadeira e visceral que não tem como simpatizar com esta bela obra de um dos escritores mais azedos que já passaram pelo planeta. O austríaco Thomas Bernhard “sobreviveu” a infância sob as ameaças do nazismo, depois resistiu às bombas despejadas durante a Segunda Guerra Mundial, lutou contra uma grave doença pulmonar, superou o abandono dos pais e transformou tantas dores em literatura de primeiríssima qualidade. Se você, assim como eu, procura por uma leitura sem papas na língua, sem floreios e que aborda temas duros mas com a doçura que só os grandes escritores conseguem imprimir às suas respectivas obras, indico fortemente a leitura de Origem!
Abadon, o exterminador (1974), de Ernesto Sabato – por Walter Bach
Respondendo à pergunta infame de leitura favorita do ano, vou de carona com esse demônio – os demais podem esperar. De qualquer ângulo é um livro monstruoso. Tem um pé num pedaço da realidade, que deveria ser ficção de tão irreal. O Sabato é personagem, mas passa longe de ser o centro da obra (se é que existe). Há inúmeras discussões sobre o fazer artístico, válidas por seus questionamentos atemporais, provocativos e sem medo de pegar pesado. Aliás, essa característica pode ser estendida à obra inteira, ao menos na minha leitura. Sabato não faz concessões e te joga de plano a outro, exigindo bastante atenção sobre o foco não-dito da narrativa. O dito impressiona, mas a camada escondida de Abadon devasta. O autor consegue falar de produção sem tornar a obra uma conversa para iniciados, da realidade sem ser panfletário, tem um cuidado notável com a forma do “enredo” e desfaz tudo isso em duas páginas. É uma intimação – você também deve bater de frente com o demônio que batiza o livro.
O conto da Aia (1985), de Margaret Atwood – por Estela Santos
Em um futuro aparentemente próximo, uma sociedade é tomada por uma revolução teocrática. A república da Gilead tem como mandamento o puritanismo e conservadorismo extremo. Mulheres perderam todos os seus direitos, não podem administrar seu dinheiro, trabalhar, sair sozinhas, conversar com qualquer pessoa, ler etc. Mulheres são perseguidas, capturadas, arrancadas de suas famílias e empregos. Depois disso, divididas entre férteis e não férteis. Uma que é mulher fértil é transformada em Aia e deve viver na casa de comandantes de alto escalão, onde sua função é procriar, uma vez que sua esposa não é capaz disso. Nessa época, por conta de radiações e guerras, quase todas as mulheres são estéreis. Caso não cumpram com suas funções e não se comportem bem, Aias podem sofrer violências extremas. Ou podem ser declaradas Não Mulheres e mandadas para locais onde a radiação é tão forte que é impossível sobreviver por muito tempo. Muitas das Aias tentam resistir, outras aceitam suas condições, outras sucumbem. Este é um simples resumo de O conto da Aia, livro distópico incrível, que ficou muito famoso a partir da série de mesmo nome. Leiam a obra de Atwood e vejam como, aos poucos, sua distopia já não tem sido tão distópica assim.
O vendido (2015), de Paul Beatty – por Luigi Ricciardi
Dificilmente cedo às frases impactantes e pouco instrutivas, que vêm nas contracapas dos livros, do tipo “maravilhoso”, “chocante e profundo” etc. Mas preciso dizer que concordo plenamente com as palavras de Dwight Garner, do The New York Times, que ilustraram a edição brasileira desse livro. Segundo ele “as primeiras cem páginas de O vendido são as mais cáusticas e fortes que li em um romance americano em pelo menos dez anos”. Não que eu acompanhe fidedignamente a literatura estadunidense com afinco para dizer se há páginas mais cáusticas que as desse romance. Contudo, elas são mesmo cáusticas e polêmicas. Não concordo e geralmente me assusto com discursos totalizantes no campo da arte. O vendido, do Paul Beatty, vem mostrar exatamente isso: os excessos. Excesso do conservadorismo, que proíbe exposições, bem como a cegueira que diminui a força da militância, perdendo o pé na profundidade da obra de arte e se afundando na ignorância das radicalidades atuais. A arte não deve ser cerceada. Por ninguém. Seja de qual tipo for e qualquer que seja o lugar desse indivíduo. Esse romance é uma prova disso.
Atlas de nuvens (2004), de David Mitchell – por Jefferson Figueiredo
A primeira vez que ouvi falar de Atlas de nuvens tive a mais completa certeza de que era um livro ruim. Não podia dar certo em nenhum nível. Um romance com cinco histórias, indo do século XIX até um futuro pós-apocalíptico, cada qual focando numa narrativa diferente que de uma forma ou outra se conectam e ainda afetam uma a outra? Sem chance de dar certo. Mas deu e é difícil começar a dizer qual é a melhor parte. Os personagens são bem construídos, as histórias nos cativam, a estrutura de desafia e instiga seguir. David Mitchell me fascinou com a abordagem de temas tão profundos e complexos ao mesmo tempo em que foi capaz de desenvolvê-los de forma interessante e sem complexidades desnecessárias. Se você gosta de livros estranhos e gente esquisita, essa vai ser uma leitura maravilhosa – eu prometo.
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