Millôr Fernandes, um animal que contou Fábulas Fabulosas

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Satírico e debochado, Millôr Fernandes usou da fábula para tecer comentários irreverentes sobre o cotidiano em Fábulas Fabulosas

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“Este é, em suma, um livro como todos os outros – perfeitamente dispensável”

A declaração acima é sincera, de autoria de alguém uma vez definido como ‘finalmente um escritor sem estilo’. Talvez em meio a traduções, artigos, colunas satíricas e muita irreverência, Millôr Fernandes se divertisse mais confundindo em vez de explicando. O pequeno Fábulas Fabulosas é uma amostra deste lado fanfarrão dele.

Esta coletânea de textos curtos que cabem em um trajeto de ônibus é um rugido, um miado, ou algum ruído animal qualquer, pois abundam as narrativas protagonizadas por animais – teria Millôr conversado com alguns para a redação do livro? Ficaremos sem resposta, a menos que um pesquisador mais dedicado meta o focinho na produção do autor e sacie a dúvida. Mas daí podemos ter outra situação: e se o autor realmente falou com animais e transcreveu no papel toda a conversa com a fauna, e esta tentou se manifestar de alguma forma e não foi notada? É um caso grave.

“O gato, escondido melancolicamente num terreno baldio, ficou vendo o tumulto diante do desastre e comentou apenas com um gato mais pobre que passava: Veja só que cretina. Passou a vida inteira para fazer eu falar e, no momento em que falei, não me prestou a mínima atenção”

Esse conto aconteceu (?) No dia em que o Gato Falou. Em O Leão Fugido temos o relato de uma ação nobre: de quando um leão avisou a um homem de que o macaco do circo tinha fugido. Se em nosso tempo isso acontecer, é mais fácil fotografarem a jaula vazia, forjarem uma gracinha por parte do macaco e espalharem dez versões da fuga rede social afora em vez de contarem o ocorrido diretamente para uma pessoa que seja. Pode acontecer do humano não ter sido domesticado para entender leões, mas isso não seria novidade – nem a sua própria espécie o humano entende direito.

Arrisco uma hipótese: foi do desencontro entre animais e humanos que nasceu este conjunto de fábulas. A edição que consultei para este texto é dessas surradas encontradas em sebos, publicada em 1976 – e a lembrança do Brasil desta década pode servir de pista para o porquê de tantas metáforas, embora nem todas as fábulas façam referências (in)diretas ao contexto de sua época e falem de situações atemporais, sendo O Fracasso das Velhas Gerações um exemplo disso, um breve acorde musical sobre o qual se vê um conflito entre um pai e um filho. Por ‘fábula’ pode ser entendido um texto curto carregado de metáforas e com algum fundo moral, mas este Fábulas Fabulosas do Millôr pode ser chamado de tudo menos de cartilha – é irreverência demais para um animal escritor sem estilo.

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