Minha briga com os velhos escritores mortos

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Percebi esta semana que sou viciado em café (acredite, só agora). Cheguei a tuitar que devia procurar um grupo de ajuda. Me imaginei numa daquelas cenas de Clube da luta, bancando o Edward Norton, à procura de qualquer grupo onde pudesse desabafar.

Bom, dizem que Balzac tomava cinquenta xícaras de café por dia. Isso deve explicar como teve saco pra escrever aquela porrada de livros que compõem a Comédia Humana. Não sei qual desses dois fatos fazem com que o admire mais, sinceramente. Divagações à parte, este é o ponto em que queria chegar.

Como as drogas alimentam nossa escrita e mesmo assim não são suficientes.

Veja bem, o mesmo Jack Kerouac que fuzilou a máquina de escrever cuspindo On The Road em vinte dias, movido a benzedrina, acabou acusando na velhice Allen Ginsberg, o outro anjo perdido da geração Beat, de ter perdido a criatividade por causa das drogas que este apresentou a ele. Será que este foi mesmo o motivo? Não posso deixar de pensar na frase de Hemingway (que por acaso convenci a colocarem na parede do escritório onde trabalho): “Write drunk, edit sober” (Escreva bêbado, edite sóbrio).

[Sempre que cito Hemingway, dá vontade de ir enfiando mais um monte de citações do velho papa, mas prometi a mim mesmo que só ia citar mais uma até o final da crônica (pode ter sido promessa de bêbado)].

Para ser sincero, não sei se as tais drogas, lícitas e ilícitas, influenciam a criatividade do escritor. Influenciam sim a ficção do sujeito por terem se entranhado nele. Nos casos mais extremos, um Bukowski da vida, parecendo fazê-lo escrever bêbado. No entanto, ao notar a qualidade da escrita do Buk, a forma como analisa o mundo e seu olhar apurado, passo a duvidar que possa de fato ter escrito embriagado. Longe de mim querer bancar o moralista. Louvados sejam os deuses das garrafas e outras drogas que são as verdadeiras musas do nosso tempo.

Ainda assim, a forma de competir com estes escritores não me parece ser consumir as mesmas drogas que eles.

Você pode estar se perguntando: como assim competir? E aí eu evoco o Hemingway outra vez (guardei essa mais pro final) com sua frase de que o escritor só deve competir com os escritores mortos. É preciso lutar com seus próprios diabos. Dostoiévski não teria escrito O jogador se não fosse ele mesmo um viciado em ver a sorte rolar. O escritor melhora, consegue mais profundidade em sua ficção, à medida que conhece mais a si mesmo. Eu poderia ter aprendido isso lendo qualquer outro, mas foi quando me deparei com a obra de Kafka que tive essa sacada (que todo mundo deve ter uma hora ou outra). Todas as linhas da ficção do cara são sobre ele mesmo, apesar de em nenhum momento Kafka se arriscar num gênero tão praticado hoje em dia, a autoficção. O motor de sua própria ficção eram seus conflitos.

Dois anos atrás, quando estava com depressão, escrevi muita coisa sobre personagens depressivos ou à beira do suicídio. Todos textos ruins, embora sinceros. Depois de deixar esta fase para trás, trabalhei em um romance que foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura em 2015 (cujo título é Um gato chamado Borges). A premissa fala de suicídio, mas não passa de uma falsa trama, com o intuito de esconder o que é o tema central do livro (um dos meus conflitos). Talvez nem seja esta minha maior satisfação com o livro. Sim o fato de ele ter personagens principais que não se parecem comigo. Estou ali e não estou.

Tomei muito café (não num nível balzaquiano, mas coisa de dez a doze xícaras por dia) e escrevi um romance. Claro, há uma cena em que um copo de café sela a amizade entre dois personagens. Não poderia ser diferente.

Contudo, em minha briga com os velhos escritores mortos, com quem terei que dividir espaço em prateleiras de livrarias, sinto que estou devendo. Sigo tentando me tornar escritor. Cada vez que leio uma obra-prima de um gênio, me frustro de pensar que nunca escreverei nada igual.

Mas o que fazer se minha droga maior é a escrita?

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