Uma das magias da literatura, se é que se pode chamar de magia, se expressa na sua capacidade de trazer até nós, habitantes de uma geração informatizada e que talvez nunca tenha entrado num navio, o pensamento de um caçador de cachalote estadunidense do século XIX (Moby Dick).
Um caçador que exalta sua profissão, reconhece as baleias como peixes e apresenta traços de racismo e etnocentrismo. Este é Ismael, ao menos é assim que o personagem se autodenomina, em meio a suas características incomuns para nós, mas corriqueiras para seu tempo, ele nos faz pensar e questionar nós mesmos ao longo da sua história, talvez nem tão sua assim, mas de dois outros personagens. Isso é o que a obra Moby Dick faz.
Ao ler Moby Dick, clássico do estadunidense Herman Melville baseado em casos reais de ataque de baleias, encontramos dois personagens que vez ou outra são tomados por arquétipos que povoam nossa mente. A relação do Capitão Ahab e a Cachalote Branca, onde está representado, respectivamente, o bem e o mal, o Homem contra a Natureza, ou até contra Deus.
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Entretanto, o que comumente é deixado de lado nessa obra, em nome do papéis atribuídos a esses dois personagens, é a própria relação entre Moby Dick e Ahab, relação que demonstra, em grande parte, traços de violência. A violência, antes de tudo, é uma relação, por isso jamais unilateral, Adorno e outros autores vão argumentar nesse sentido, mas este texto não tem o intuito de ser acadêmico.
Onde se esconde a violência em Moby Dick
A violência caminha sobre a madeira do convés do navio Pequod na forma do soturno capitão Ahab que planeja, sonha fervorosamente, com sua vingança. Bastaria que ele tomasse o caminho comum de outros capitães e caçasse qualquer baleia que cruzasse seu caminho, o que foi firmado em terra como seu trabalho, mas a lembrança de ter uma de suas pernas devoradas pela famosa baleia branca o consome. Não podemos esquecer que antes desse episódio, o próprio capitão, era quem caçava a baleia branca, a violência é uma relação.
Em pontos dispersos pela trama a vingança de Ahab é questionada pelos infortúnios do mar, mas o Capitão entende os contratempos e as encruzilhadas cada vez mais problemáticas como presságios para sua missão divina. Presságios que apenas confirmam a sua sina. No alto mar não se pode escapar da baleia branca, como Jonas, profeta citado várias vezes na obra, também não pôde escapar de sua missão divina, certamente para Ahab dar cabo de Moby Dick era a sua missão divina.
E no fim da história seus personagens são consumidos por essa vingança encarnada na forma de um capitão e uma baleia branca. Ahab cumpre a tão poética profecia feita por Ismael e atira seu coração do peito, como um morteiro, contra a sua tão amada baleia.
A palavra amada não foi um equívoco, em verdade, o que seria do capitão Ahab sem uma das suas pernas e sem seu objeto de caça?