Morrer não é novo, tampouco é novidade estar vivo: a poesia de Maiakóvski

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Embora Maiakóvski seja considerado autor de uma lírica revolucionária e seja chamado de “Poeta da Revolução”, seus poemas não são só de palavras de luta, ele também escreveu sobre o fazer poético, amizade e amor

 

Vladimir Maiakóvski – O Poeta da Revolução – nasceu na aldeia de Bagdádi, Rússia, em 19 de julho de 1893. Na infância, vivenciou as experiências típicas de uma família camponesa , humilde e harmoniosa. Desde pequeno, Vladimir teve contato com os livros. Sua primeira leitura foi “Passarinho de Agáfia”, história que o decepcionou muito. O mesmo não aconteceu com o segundo: Dom Quixote de La Mancha. Maiakóvski ficou tão impressionado com o romance, que fez uma armadura e uma espada de madeira, para sair lutando pelo mundo. Segundo as memórias do poeta, além de livros, em seu lar era bastante comum circularem os jornais “Notícias Russas” e “Palavra Russa”, sem contar os panfletos políticos.

No ano de 1905, num despertar para o socialismo, Vladimir lê obras como Abaixo os Social-Democratas, de V. Brakke e Conferências sobre Economia, de N. Karichev. Em virtude da grande insatisfação social, política e econômica advinda de um regime absolutista, tais leituras eram praticadas entre os jovens engajados da época. Desde o século XVI, o povo russo vivia sob o comando czarista, sustentado pelo capital estrangeiro e pela igreja ortodoxa. Os proletários e os camponeses eram os mais acometidos por esse sistema de extrema desigualdade social, tornando a esfera muito propícia para os ideais socialista.

Com a morte de seu pai, Vladimir, a mãe e as duas irmãs mudam-se para Moscou. Na cidade, a família levava uma vida modesta. A matriarca, para sustentar os filhos, alugava quartos para inquilinos, geralmente, estudantes e, na maioria,jovens revolucionários. Esse ambiente de efervescência política e cultural foi algo motivador para o jovem Maiakóvski. Em 1908, Vladimir ingressa na ala Bolchevique do Partido Social Democrático Operário Russo. Ao se empenhar politicamente, trabalhando na publicidade e propaganda do partido, Maiakóvski é preso três vezes. Foi no período do cárcere que ele iniciou sua obstinada jornada literária. A partir de então, Vladimir entregou-se à leitura e à escrita de poemas e, também, de teoria literária. O arauto, admirador do Prefácio do livro Crítica da Economia Política, de Marx, fazia com que sua Literatura cumprisse um duplo papel: escrevia poesia e a usava como arma contra o sistema de governo que considerava opressor.

O poeta, ou Camarada Constatin, como era conhecido no PSDOR, inicia sua produção lírica trazendo à baila palavras de ordem, convocando o povo, contestando uma situação social melhor para a Rússia. Maiakóvski e sua poesia revolucionária eram uma “enunciação coletiva”. Sobre o papel que a Literatura exerce num processo de conscientização social , Gilles Deleuze e Félix Guattari escrevem:

“É a literatura que se encontra carregada positivamente desse papel e dessa função de enunciação coletiva e mesmo revolucionária: a literatura é que produz uma solidariedade ativa apesar do cepticismo; e se o escritor está à margem ou à distância da sua frágil comunidade, a situação coloca-o mais à medida de exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os meios de uma outra consciência e de uma outra sensibilidade.” ( p. 40)

Além da temática ideológica, os poemas de Maiakóvski ficaram famosos pelos versos livres e por sua “reatualização da sintaxe oral”. No ensaio Estética e Política Na Dramaturgia de Vladimir Maiakóvski, de Juscelino Batista Ribeiro, lê-se:

“Ao lado deste quadro extremamente conturbado, em todos os meandros da sociedade que passa por uma profunda reflexão, surgiram por toda a Europa diversas correntes artísticas que refletem o espírito caótico e violento da época representando, através de suas artes, uma nova etapa da história da humanidade. São denominadas vanguardas européias: movimentos de caráter agressivo e experimental que rompem radicalmente os padrões da arte tradicional suscitando polêmicas e debates inflamados nos meios em que se difundem.”( p. 45)

Rompendo com os padrões da arte tradicional, muito influenciado pelos Futuristas, a poesia de Maiakóvski adota o verso livre e o vocabulário prosaico. No ensaio que escreveu, ele disse: “Eu não forneço nehuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas.” Assim, a característica fundamental da lírica do russo era a poesia oratória, elaborada para impactar a quem escutava, a quem lia ou declamava. Em fragmento de A Plenos Pulmões, lê-se:

“Caros/camaradas/futuros!…
Anos / de servidão e de miséria/comandavam/nossa bandeira vermelha / líamos Marx/volume após volume,/janelas de nossa casa/abertas amplamente,/mas ainda sem ler/saberíamos o rumo!” (p. 131 – 132)

Para Vladimir, o que importava na estrutura do poema eram as combinações sonoras, aliterações, assonâncias em geral, dissonâncias, pesquisadas em cada frase, em cada palavra (BORIS SCHNAIDERMAN). Em A Plenos Pulmões, Maiakóvski chama o leitor/ouvinte, utilizando uma linguagem que faz com que seu poema pareça “uma marcha, uma tropa sonora agressiva e triunfal.”

Autor de uma lírica revolucionária inconteste, nem só de palavras de luta seus poemas eram feitos. Maiakóvski também escrevia sobre o fazer poético, sobre a amizade e o amor. No poema Amo e no Em lugar de uma carta, ambos dedicados à amada Lilia, ele escreve:

“Comigo/ a anatomia ficou louca/Sou todo coração/ Em todas as partes palpita.

Afora o teu amor/ para mim/ não há sol,/e eu não sei onde estás e com quem/Se ela assim torturasse um poeta,/ele/trocaria sua amada por dinheiro e glória,/ mas a mim/nenhum som me importa/afora o som do teu nome que eu adoro./E não me lançarei no abismo,/e não beberei veneno,/ e não poderei apertar na têmpora o gatilho./Afora/ o teu olhar/ nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.” (p. 80)

Vladimir Maiakóvski, o poeta ideológico que “lutou” na Revolução Russa, que ajudou a colocar Lênin no poder, que participou da ascensão do primeiro país socialista do mundo, no dia 14 de abril de 1930, aos 36 anos, “encerra o caso”. O menestrel, roteirista, publicitário, dramaturgo e teórico suicida-se com um tiro no peito. Suas últimas palavras foram:

“A todos
De minha morte não acusem ninguém, por favor, não façam fofocas. O defunto odiava isso.
Mãe, irmãs e companheiros, me desculpem, este não é o melhor método (não recomendo a ninguém) mas não tenho saída.
Lilia, ame-me.
Ao governo: minha família são Lilia, Brik, minha mãe, minhas irmãs e Verônica Vitoldovna Polonskaia.
Caso torne a vida delas suportável, obrigado.
Os poemas inacabados entreguem aos Birk, eles saberão o que fazer.
Como dizem:
caso encerrado,
o barco do amor partiu-se na rotina.
Acertei as contas com a vida
inútil a lista
de dores,
desgraças
e magoas mútuas,
Felicidade para quem fica.”
Vladimir Maiakovski

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