As muitas influências de Efraim Garófalo

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Efraim Garófalo

Efraim Garófalo é do Espírito Santo e ainda é um escritor desconhecido. Seus três primeiros livros, o romance Faca barítono, o livro de ensaios Campo onde as pegadas fazem bétulas e o apanhado de poesias e pinceladas Partos Improvisados, óleo sobre tela foram publicados de forma independente, e, nas palavras do próprio autor, “não deveriam.”

Em seu mais recente trabalho, a disciplina exata da topologia geral torna-se ferramenta de investigações exegéticas: Deus escreve certo sobre superfícies não orientáveis, um estudo em duas partes, começa como retrospectiva da relação entre a religião e a matemática (os misticismos pitagóricos; as cabalas e criptografias judaicas; as demonstrações lógicas da existência divina, de Santo Agostinho a Gödel; nas conversas entre os infinitos matemáticos e os infinitos do Deus cristão; na geometria e nos padrões da arte e fé islâmicas; nos paradoxos e os vazios do budismo e taoismo) e termina com uma proposta para uso das várias revoluções que o século 20 trouxe para a rainha das ciências. Para Efraim, a matemática pode, em uma primeira instância, ser usada como ferramenta para revitalização da fé nas religiões tradicionais, e, em um segundo lugar, tomar seu lugar como crença absoluta. Deus escreve certo… foi recusado pelo IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) como monografia de doutorado e tornou-se um livro, publicado em janeiro de 2014 pela Editora Nurembergue.

Um leitor voraz e interdisciplinar, Efraim G. não se limita à leitura de nenhuma fonte. Deus escreve certo sobre superfícies não orientáveis, além de se debruçar sobre as escrituras sagradas das mais relevantes religiões sobreviventes, toma emprestado terminologias do O ramo de ouro de Frazer e dos formalistas russos, dos artigos científicos dos matemáticos Riemann, Cantor e Frege, revisita discussões sobre literatura e arte entre surrealistas e os escritores da OuLiPo, embaralha filosofia e teologia. Conhecendo seu gosto pelo incomum e exigindo de Efraim algum controle, pedimos que elaborasse uma lista, restrita ao romance de ficção (ou qualquer coisa próxima disso) que enumerasse, sem ordem de importância, as obras que considera mais formativas em sua persona ficcional. Nota-se uma preferência de Efraim por autores do Ocidente e por uma atenção à diferenciação pela forma e pelos mecanismos responsáveis pela produção da ficção na literatura. Efraim nos enviou apenas uma lista, que engordamos com referências para sites e blogs literários e artigos acadêmicos, no intuito de melhor apresentar cada uma das obras.

Árvore de códigos

Tree of codes, Jonathan Safran Foer

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“Foer pegou o livro Ulica krokodyl (“A rua dos crocodilos” — em tradução livre), de Bruno Schulz e foi recortando palavras de uma página para criar buracos que permitissem ao leitor ver as palavras da página seguinte e assim por diante. Dessa forma, as páginas do livro se relacionam e criam uma nova história a partir do livro escrito por Bruno Schulz. Daí vem a ideia de “árvore de códigos”, pois você pode ler o livro de diversas formas. Cada página corresponde a um galho que pendura palavras, que vão formando frases, etc.”
A árvore de códigos de Jonathan Safran Foer
Blog Casmurros

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Bouvard e Pécuchet

Bouvard et Pécuchet, Gustave Flaubert

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“Durante cerca de 30 anos, principalmente nos últimos seis de sua vida (de 1874 a 1880), [Flaubert] entregou-se à composição de Bouvard e Pécuchet, um romance anti-romântico, ao mesmo tempo fugindo do naturalismo reinante, em que, à falta do enredo tradicional, os acontecimentos são substituídos pela troca e conflito de ideias. Bouvard (viúvo sem filhos) e Pécuchet (solteirão convicto) são dois escreventes (ou copistas) que, graças a uma oportuna herança do primeiro e às economias acumuladas do segundo, vão se estabelecer na propriedade rural de Chavignolles, com o fito de adquirir cultura no convívio com os livros. Acreditando que as ciências pudessem ser aprendidas e experimentadas pela simples leitura dos compêndios doutorais da época, chafurdam em montanhas de livros e adquirem os implementos neles preconizados para a prática da atividade científica. Os resultados são desastrosos em função dos conflitos que os doutos geravam na defesa de suas teses e teorias. Os dois escribas se dedicam de início à jardinagem e à agricultura, embrenhando-se sucessivamente pelos estudos de agronomia, química, anatomia, fisiologia, medicina, higiene, astronomia, história natural, paleontologia, geologia, arqueologia e história. A cada leitura e a cada discussão, intentam provar ora a falácia dos livros, ora o que julgam o acerto de suas próprias teorizações, chegando fatalmente a resultados desastrosos tanto num caso quanto no outro. Como disse Guy de Maupassant no aparecimento do volume em 1881, trata-se de ‘uma prodigiosa crítica de todos os sistemas científicos que se opõem uns aos outros, destruindo-se mutuamente pelas contradições dos fatos.’”
Bouvard e Pécuchet: gente nossa
Ivo Barroso

Avalovara

Osman Lins

“Este romance de 1973 assinala o ápice do percurso literário do pernambucano Osman Lins. Tendo como ponto de partida a intersecção entre uma espiral e um quadrado, nos quais se inscreve uma curiosa frase em latim, o romance cria uma intrincada trama de texto mundo, em que a imagem dos nomes sobrepõe-se à imagem dos seres e das coisas, compondo um terceiro destino que cabe necessariamente ao homem decifrar.

Avalovara intercala oito temas narrativos que atravessam tempos e espaços distintos, de Amsterdã a Recife, de Recife à Roma Antiga, daí a São Paulo e vice-versa, numa narrativa notável, que ambiciona abarcar o mundo e a linguagem em sua totalidade. Neste mergulho no cerne da linguagem, o ritmo poético precede e ordena os nexos narrativos, num casamento entre prosa e poesia que marcou o romance brasileiro contemporâneo.”
Sinopse de Avalovara
Site da Companhia das Letras

“Sem dúvida, Avalovara é uma tentativa de Osman Lins de entender e responder a algumas perguntas, que neste trabalho reduzo a duas: a questão do tempo a origem do Universo. Para o bom leitor, fica claro que elas são o mesmo. O autor pernambucano de forma mítica inaugura a sua Cosmogonia (do grego kosmogonos) e deixa bastante clara uma divisão: o espaço é representado pelo quadrado, o tempo é representado pela espiral. Neste breve momento nos concentraremos na espiral. Baseado numa geometria inédita em termos cosmológicos, Osman Lins divide a questão do Tempo em Avalovara em dois temas: A espiral e o quadrado, que se divide em dez partes no livro e O relógio de Julius Heckethorn que se divide em outras dez partes. A espiral parte, como tudo o que existe, do princípio das curvas, que rege a espiral, mantendo seu movimento uniforme. Ignora-se sua origem e seu fim. É uma entidade sem limites. A mecânica que rege a espiral é tão rígida quanto a que rege os astros.”
O avanço pela espiral de Avalovara
Leonardo Trotta

CASTELO DOS DESTINOS

O castelo dos destinos cruzados

Il castello dei destini incrociati, Italo Calvino

“Já em O castelo dos destinos cruzados, peregrinos medievais se reúnem ao redor de uma mesa. Emudecidos pela travessia de um bosque, dispõem apenas de um baralho de tarô para contar suas histórias. O narrador se encarrega de interpretá-las a partir da sequência de cartas que o personagem escolhe para ilustrar sua vida. Em O castelo dos destinos cruzados, Calvino simboliza com o tarô a mão de combinações disponível ao enredo de qualquer conto; o tarô como talvez uma das mais antigas máquinas narrativas da Literatura Potencial.”
Os textos infinitos da OuLiPo
Ygor H. Speranza

“Nas Seis propostas para o próximo milênio, ao falar da multiplicidade como característica atual e a ser preservada na literatura, Ítalo Calvino diz que ‘O castelo dos destinos cruzadosprocura ser uma espécie de máquina de multiplicar as narrações partindo de elementos figurativos com múltiplos significados possíveis.’ Calvino aponta a possibilidade de pensar o Castelo como um jogo combinatório de permutação das cartas do tarô.

Porém, se seguirmos sua metáfora de máquina textual, em que sentido podemos entender a escrita como máquina ou, mais adequadamente, como maquinação, como um movimento e como processo? Partamos dessa base — da maquinação — para melhor entendermos o que Calvino propõe em suas últimas lições, tentando ler O castelo dos destinos cruzados por seu viés de máquina combinatória.”
Uma leitura d’O Castelo dos destinos cruzados como texto-máquina
Otávio Guimarães Tavares

Sartor Resartus

Thomas Carlyle

“Sartor Resartus (que significa algo como o alfaiate realfaiatado ou o alfaiate readaptado) é um romance de 1836 por Thomas Carlyle, publicado pela primeira vez como série na Fraser’s Magazine entre 1833 e 1834. O romance propõe-se como análise da juventude e do pensamento de um filósofo alemão chamado Diogenes Teufelsdröckh (que traduz-se como merda-de-demônio nascida-de-deus), autor de um tomo intitulado Roupas: sua Origem e Influência, mas é, na verdade, um poioumenon. As divagações transcendentalistas de Teufelsdröckh são contempladas por um revisor britânico cético (referido como o Editor), que também é responsável por adicionar fragmentos de informações biográficas sobre o filósofo. A obra é, em parte, uma paródia de Hegel, e, de forma geral, do idealismo alemão.”
Sartor Resartus
Wikipédia (tradução)

“Carlyle fornece ao tema ‘a linguagem é a roupa do pensamento’ uma maior materialidade social do que qualquer um dos usuários anteriores da analogia. Por um lado, roupas são emblemas visuais ou representações de relacionamentos sociais (‘de uma Vitória sobre a Vontade multiperspicaz’). Por outro lado, roupas adquirem uma realidade pois esses objetos simbólicos são as únicas metáforas com que a sociedade precisa trabalhar. Enquanto Pope enxerga estilo como um fenômeno superficial que pode ser corrigido pelos paradigmas sociais subjacentes e modelos de refinamento, Carlyle vê o estilo internalizado como a substância de que os corpos sociais são feitos. A natureza social da linguagem é ao mesmo tempo absolutamente contingente e totalmente determinante.”
The Central Metaphor of Thomas Carlyle’s Sartor Resartus
Daniel Block (tradução)

A vida modo de usar

La vie mode d’emploi, George Perec

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Planta vertical do prédio utilizado em “A vida modo de usar” por Perec…

“A vida modo de usar, ficção contemplada com o premio Médici de 1978, foi arquitetada como um puzzle. O livro é composto de 99 capítulos, mais preâmbulo, epílogo, planta do prédio e anexos. Cada capítulo possui uma história independente, que funciona em si mesma, mas há links que interconectam os contos ou romances. O fio condutor é uma trama de vingança que envolve, direta ou indiretamente, os moradores de um condomínio em Paris.”
Literatura: modo de usar
José Renato Salatiel, Jornal Rascunho

“Sua obra-prima, o livro oulipiano A vida modo de usar, começou a ser escrito como resposta à morte de Raymond Queneau. O romance de 99 capítulos se passa inteiro durante um só momento, subsequente a morte do personagem principal, Bartlebooth, envolvido em uma trama complexa onde teria se proposto resolver 500 quebra-cabeças. O enredo destrincha muitas e muitas vidas entrelaçadas a do protagonista, cada capítulo correspondendo a um dos aposentos do prédio onde esse vive. Perec forçou-se a contar os capítulos em ordem baseada em uma das soluções do problema de xadrez conhecido como problema do cavalo, pensando no prédio como um tabuleiro 10×10. Nessa matriz, cada casa foi indexada com uma letra e um algarismo, garantindo-se que cada um desses símbolos só apareça uma vez em cada linha e cada coluna. O papel dessa marcação era que ela impusesse restrições à escrita dos capítulos. O par formado pela letra e pelo número era cruzado com uma série de mais de quarenta listas, que, para cada quarto, decidiam quais personagens estariam envolvidos, quais roupas vestiam e que emoções usavam. Georges Perec empregava essa cabala infernal como acessório para a criação literária, como Queneau havia estipulado para o ideal da OuLiPo.”
Os textos infinitos da OuLiPo
Ygor H. Speranza

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…e a ordem na qual os espaços do prédios são percorridos pela narrativa. A trajetória acompanha um passeio do cavalo, como no xadrez.

Manuscrito encontrado em Saragoça

Manuscrit trouvé à Saragosse, Jan Potocki

“O Manuscrito compõe-se de uma sucessão de histórias distribuídas por sessenta e seis dias à moda dos antigos heptamerons ou decamerons, ligadas entre si por uma trama central. A exemplo do romance Vathek (1786), de William Beckford, e outras obras desse período, tem grande influência das narrativas do Oriente, como as Mil e Uma Noites. (…) Como típico exemplar do romance gótico, desde as primeiras páginas o Manuscrito recorre ao fantástico, ao non sense e às aparições fantasmagóricas. O gosto pelo assustador, pelo macabro, pelo exagero, antecipa a voga romântica e a ruptura com o classicismo. Mas a ambientação é toda do século XVIII, com cenas de galanteio, imoralidade dos costumes, o gosto pelo ocultismo, cabala e astrologia. Maliciosamente, o livro passa do sobrenatural, do erótico para o picaresco. Potocki lança mão do recurso de repetir a mesma história, para a desvelar e desdobrá-la habilmente, substituindo um personagem por outro em relatos que vão se encaixando. O mesmo tema se repete, a mesma situação é contada, mas com novas nuances, como se refletidos por um espelho fatídico. Assim, os fantasmas na verdade são gente viva disfarçada e o que inspirava terror não passa de um engenhoso mecanismo.”
Peripécias de uma obra-prima perdida e encontrada
Jornal do Bibliófilo

La disparition

George Perec

La Disparition — literalmente o desaparecimento, ou, na tradução premiada de 1994 de Gilbert Adair’s, a única tradução para o inglês publicada, A Void — é um romance sem nenhuma letra e. Sim, com quase 300 páginas sem e, esse romance é um monstruoso exemplo do que é conhecido comolipograma pelos membros da OuLiPo e por qualquer um interessado nos potenciais mais estranhos da linguagem. Um lipograma, como define o dicionário Larousse (cuja definição Perec parece aceitar em seu próprio ensaio História do lipograma) é um ‘obra literária onde o autor se restringe a abdicar de forma estrita de uma ou mais letras do alfabeto.’ Perec explica que o nome dessa restrição vem do grego leipoeu saio, e, ao mesmo tempo em que oferece nomenclaturas diferentes em várias línguas, nota que em inglês se diz lipogram, ou, em certas vezes, letter-dropping. ‘Isso, é claro, quando dizem, pois na maior parte do tempo eles nem dizem.’”
However Obliquely: Georges Perec’s La Disparition
Eric McDowell, The Michigan Quarterly Review

Composition no. 1

Marc Saporta (com diagramas de Salvador Plascencia)

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“Composition No. 1”, na edição da Visual Editions.

“Composition No. 1 reimagina o livro publicado originalmente nos anos 60. O livro é o primeiro livro em uma caixa da história, escrito pelo francês Marc Saporta. Quando dizemos livro em uma caixa queremos dizer literalmente um livro que vem em uma caixa, com páginas soltas. Cada página tem uma narrativa autocontida, deixando para o leitor a decisão da ordem da leitura, e de quão muito ou pouco querem ler do livro antes que recomecem a lê-lo, do início. Em muitas formas diferentes, Composition No. 1 foi uma publicação à frente de seu tempo: o livro levanta todas as questões que hoje fazemos a respeito de formas de leitura que são voltadas para o monitor, formas de leitura não lineares e formas centradas no usuário do livro.”
Visual Editions (tradução)

Dicionário Khazar

Хазарски речник, Milorad Pavić

“A maioria das narrativas escritas expressam de alguma forma essa tensão entre o desenrolar da narrativa e seu texto fechado e inflexível, mas algumas delas, frequentemente consideradas (pelo menos em nosso tempo) inovadoras põem essa questão em primeiro plano. Assim é o Dicionário Khazar, livro inteligente e lúdico do acadêmico e poeta iugoslavo Milorad Pavicque, através de seus verbetes em ordem alfabética mas cronologicamente desarranjados e símbolos que se cruzam e referem permite para cada leitor ‘arrumar o livro por conta própria, como num jogo de dominó ou baralho.’ O leitor pode perseguir tópicos específicos como em uma consulta a um dicionário, ler o livro do início ao fim, da esquerda para a direita ou da direita para esquerda, ou mesmo diagonalmente, de três em três. O leitor pode ainda, sugere o Sr. Pavic, ‘ler como come: usar o olho direito como garfo, o esquerdo como faca, arremessando os ossos por cima dos ombros.’

Realmente, este é um livro melhor lido de qualquer forma, exceto do início ao fim. Mesmo por sua complexidade aparente, rende-se fácil —  e mesmo com gentileza — a uma leitura reconstrutiva, e provavelmente existem menos possibilidades para reconstruí-lo do que o autor nos leva a pensar. O dicionário é dividido em três livros ou fontes separadas (cristã, islâmica e hebraica), um prefácio com um conjunto de notas preliminares e apêndices (que na verdade guarda muito da carne da narrativa), e o enredo divide-se temporalmente em três períodos, cada um com três personagens centrais diferentes, de acordo com a fonte. Logo: uma matriz de personagens 3×3 com subconjuntos. Os caminhos pelos verbetes são demarcados de forma clara, e existem, no fim das contas, apenas 45 deles (um desses sendo apenas uma referência de uma linha), muito menos do que se esperaria de um dicionário de tamanho escopo. Mesmo se perder, o que talvez seja mais fácil de fazer dentro dos verbetes do que entre eles, pode ser recompensador para o leitor. Dado que o livro de uma forma corresponde ao apelo de Jorge Luis Borges’s por uma história dos sonhos (fãs de Borges encontrarão muitos ecos e sussurros vindos do mestre bibliotecário de Babel e descobridor da Enciclopédia de Tlön), os prazeres que proporciona devem ser melhor absorvidos em uma leitura subconsciente e de associação livre.”
He thinks the way we dream
D. J. R. Bruckner, The New York Times (tradução)

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Capa da tradução de Christina Pribicevic-Zoric

Paisagem pintada com chá

Предео сликан чајем, Milorad Pavić

“Dizer que este livro foi construído de forma ardilosa e autorreferente é o mesmo que dizer que um caleidoscópio engana. No entanto, o surrealismo genuinamente folclórico de seus episódios (duplicados e fraturados) faz dessa história, que em última instância é indefinida, uma história que vale a pena ser lida, mesmo que você não sinta vontade de fazê-lo dez vezes — o que pode se suspeitar que foi a intenção do autor. (Por que Pavic publicaria duas versões do romance, uma masculina e outra feminina, diferentes apenas em um único parágrafo anônimo?) Pavic, um admirador ferrenho de Borges, utiliza-se de diversos truques borgeanos nesse seu livro labiríntico. Encontra-se o uso de parafernália pseudoacadêmica para solidificar os episódios fantásticos, múltiplas referências cruzadas e reflexões em cada página, e, talvez o mais importante, sua indeterminação: abundam as explicações alternativas e as narrativas contraditórias.

As outras obras de Pavic seguem na tradição pós-moderna de veredas que se bifurcam e narrativas múltiplas; de fato, Pavic chegou a anunciar que seu objetivo era ‘transformar a literatura, que é uma arte não reversível, em uma reversível.’ Seu segundo romance, Paisagem pintada com chá, é em parte baseado em uma desafio de palavras cruzadas. Parecido com oDicionário [Khazar] apenas em seu aspecto exótico de sua linguagem figurada de Mil e uma noites, é, como um todo, uma obra menos prismática, no entanto com sentimento, em particular em seu tema principal da relação entre pais e filhos. Sendo em sua essência a história de um arquiteto de coração partido, seu enredo pode ser desbravado lendo seus capítulos de cima para baixo ou de baixo para cima.”
Mirolad Pavic, Borges: Influences and References (tradução)
The Modern World, Michael Helsem

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