A conquista do Nobel de literatura pelo cantor e compositor Bob Dylan levantou mais uma vez a questão: música é ou não é literatura? É possível até mesmo pensar que um dos motivos que levaram à escolha, além é claro da genialidade de Dylan, foi fazer essa provocação. A Academia começa a perceber que num mundo de convergência midiática torna-se impossível identificar um gênero in natura, todos os gêneros se tornam híbridos.
Mas a ligação entre poesia e música não é nova. Todas aquelas consideradas as primeiras grandes obras da literatura eram recitadas oralmente antes de se imprimirem na palavra escrita. Nesse tempo, “cantar-se-ia em lugar de falar”, e era comum encontrar o povo recitando a Odisseia de Homero nas praças de Atenas.
O divórcio entre letra e som é uma invenção moderna, que separa história e natureza. Quem observa isso é Jean Jacques-Rousseau no seu clássico Ensaio sobre a origem das línguas. O filósofo vê nesse movimento uma perda, onde as palavras passam a exprimir apenas ideias, e não mais sentimentos.
Por esse motivo tenho o hábito, sempre que possível, de ler em voz alta. Ler quieto é perder metade da história. Um bom escritor deve saber ir além da gramática e da semântica e pensar a acústica. Também não é por acaso que Friedrich Nietzsche foi um grande amante da música clássica, como na sua relação controversa com Wagner, chegando a afirmar que “sem música a vida seria um erro”. Apesar de ter falhado como compositor, seu conhecimento musical se expressou fundamentalmente em seus escritos.
Parabéns ao Dylan, que aprendamos com ele a escrever cantando e a cantar escrevendo.