Em uma entrevista a George Plimpton, da Paris Review, Ernest Hemingway nos conta que não só de drinques vive o escritor
Entre suas caçadas a javalis, eventuais preparos de drinques, reportagens jornalísticas e horas de pé em frente à máquina de escrever, Ernest Hemingway concedeu uma entrevista a George Plimpton, da Paris Review, em 1958. Mas entrevista é uma palavra solene para algo que em muitas perguntas, e principalmente respostas, soa uma conversa de compadres.
Traduzimos alguns trechos desta conversa na qual Hemingway conta de seus métodos e de si. Confira:
George Plimpton, entrevistador : Essas horas do processo de escrita são prazerosas?
Ernest Hemingway: Muito.
GP: Você pode contar algo desse processo? Quando você trabalha? Você mantém uma rotina rígida?
EH: Quando estou trabalhando em um livro ou em uma história eu escrevo toda manhã tão cedo quanto possível quanto o primeiro raio de sol. Não há ninguém para te perturbar e é calmo ou frio e você vai ao seu trabalho e se aquece enquanto escreve. Você lê o que escreveu e, como sempre para quando sabe o que vai acontecer depois, continua dali. Você escreve até chegar aonde você ainda tem o seu suco e sabe o que vai acontecer depois e para e tenta viver até o dia seguinte quando você o achar de novo. Você começou às seis da manhã, digamos, e pode continuar até o entardecer ou antes disso. Quando você para você está tão vazio, e ao mesmo tempo nunca vazio mas se preenchendo, que nem quando você faz amor com alguém que gosta. Nada pode te machucar, nada pode acontecer, nada tem significado até o dia seguinte quando você faz de novo. E essa espera até o próximo dia que é difícil de suportar.
GP: Você reescreve logo de onde terminou no dia anterior? Ou isso vem depois, quando tudo está acabado?
EH: Sempre reescrevo cada dia até onde parei. Quando está tudo pronto, naturalmente você passa por cima. Você tem outra chance para corrigir e reescrever quando alguém mais redige para você, e você vê vê isso a limpo. A última chance está na prova [do livro]. Você fica grato por essas chances diferentes.
GP: Quantas reescritas você faz?
EH: Depende. Reescrevi a última página do final de Adeus às Armas trinta e nove vezes antes de ficar satisfeito.
GP: Tinha algum problema técnico ali? O que o incomodou?
EH: Encontrar as palavras certas.
GP: É na releitura que o ‘suco’ aparece?
EH: Reler te coloca em um ponto em que a obra tem de ir, sabendo que é tão bom quanto o que você pode alcançar. Sempre tem suco em algum lugar.
GP: Quais são os lugares em que você trabalhou melhor? O hotel Ambos Mundos pode ter sido um, avaliando o número de livros que você escreveu lá. Ou os ambientes têm pouco efeito?
EH: O Ambos Mundos em Havana foi um ótimo local para trabalhar. Aquele Finca também é um local esplêndido, ou era. Mas eu trabalhei bem em todos os lugares. Quero dizer, fui capaz de escrever tão bem quanto pude sob várias circunstâncias. O telefone e as visitas são os destruidores do trabalho.
GP: É preciso ter estabilidade emocional para escrever bem? Uma vez você me contou que só consegue escrever bem quando está amando. Você poderia expor mais isso?
EH: Que pergunta. Mas parabéns por tentar. Você pode escrever a qualquer tempo que as pessoas vão te deixar em paz e não vão te interromper. Ou melhor, você pode se você for firme o suficiente com isso. Mas a melhor escrita com certeza é quando você está apaixonado. Se é tudo igual para você eu acho melhor não explorar isso.
GP: O que você considera o melhor treinamento intelectual para o aspirante a escritor?
EH: Digamos que deve sair e se enforcar se acha que escrever bem é impossivelmente difícil. Então ele deve ser cortado sem piedade e forçado por si mesmo a escrever tão bem quanto pode pelo resto da sua vida. Pelo menos vai ter a história do enforcamento por onde começar.
GP: Uma vez você escreveu na Transatlantic Review que a única razão para escrever no jornalismo era ser bem pago. Você disse: “Quando você destrói as coisas valiosas que você tem por escrever sobre elas, você quer ganhar um bom dinheiro com isso”. O que você acha da escrita como um tipo de auto destruição?
EH: Não me lembro de alguma vez ter escrito isso. Mas soa tolo e violento o bastante para que eu tenha dito isso para evitar morder as unhas e fazer uma declaração sensível. Eu certamente não vejo a escrita como um tipo de auto destruição, embora o jornalismo, após um certo ponto ser atingido, possa ser uma auto destruição diária para um escritor criativo e sério.
GP: Quem você diria que são seus antepassados literários – aqueles de quem você aprendeu mais?
EH: Mark Twain, Flaubert, Stendhal, Bach, Turgenev, Tolstoy, Dostoyevsky, Chekhov, Andrew Marvell, John Donne, Maupassant,o bom Kipling, Thoreau, Captain Marryat, Shakespeare, Mozart, Quevedo, Dante, Virgil, Tintoretto, Hieronymus Bosch, Brueghel, Patinir, Goya, Giotto, Cézanne, Van Gogh, Gauguin, San Juan de la Cruz, Góngora – levaria um dia para eu me lembrar de todos. E então soaria como se eu estivesse reivindicando uma erudição que não possuo em vez de tentar lembrar de todas as pessoas que influenciaram minha vida e trabalho. Essa não é uma velha pergunta burra. É muito boa mas é uma pergunta solene e pede um exame de consciência. Coloquei pintores, ou comecei, porque aprendo tanto de pintores sobre como escrever quanto de escritores. Você perguntou como isso é feito? Levaria outro dia para explicar. Eu devia achar que o que alguém aprende de compositores e do estudo de harmonia e contraponto fosse óbvio.
A entrevista completa em inglês (média de 22 paginas) pode ser lida aqui!