Marcante e dotado de humor ácido, O olho é fruto da genialidade de um dos mais importantes escritores do século 20: o russo-americano Vladimir Nabokov. O livro foi publicado em 1930, em Berlim, quando Nabokov ainda escrevia em russo e foi traduzido e relançado nos EUA em 1965.
O olho é o quarto romance de Nabokov e narra uma incomum história de cunho detetivesco onde, ao envolver-se na narrativa, o leitor passa a seguir os passos do personagem Smurov à procura de uma misteriosa verdade em relação aos seus próprios atos. No enredo, o autor nos remete ao que ele denomina como “inferno de espelhos”. Trata-se da história de um personagem entre a dúvida do que é fantasia ou realidade, vida ou morte, que persegue ele mesmo, conforme refletido em outros personagens que lhe servem de espelhos.
Smurov, personagem principal e narrador, é um jovem russo tentando a vida em Berlim, em 1920, muito solitário e sem meios financeiros. Para sobreviver, torna-se tutor de dois meninos de uma família russa. Possui amores desastrados, ilusórios e algumas poucas certezas sobre si mesmo, que em quase nada correspondem à realidade. Depois de ser humilhado na presença dos dois meninos e pelo marido de sua amante, o jovem decide se matar. No entanto, nem tudo sai como o planejado. A partir daí, o leitor se depara com algumas questões: se, de fato, suicidou-se; se o mundo sobrenatural é igual à vida na Terra; ou se algo deu completamente errado na execução da própria morte. Talvez a intenção de Nakokov seja, realmente, que o leitor decida por si próprio.
No quesito ironia, o autor deixa suas alfinetadas quando, no enredo, Lênin é ironizado nas mensagens recebidas do além por um vidente, Karl Marx é nomeado como “rabugento burguês” e O Capital é singelamente destacado como “fruto da insônia e da enxaqueca”.
Além de criar uma trama magistral que nos leva a seguir pistas do personagem — o leitor posto como um observador e detetive —, Nabokov nos deixa trechos acentuadamente líricos e de uma beleza inquestionável:
Muitas vezes, ao voltar a pé pra casa, a cigarreira vazia, o rosto queimando na brisa da aurora como se eu estivesse acabado de remover uma maquiagem teatral, cada passo lançando uma pontada de dor que ecoava em minha cabeça, eu inspecionava minha débil felicidadezinha de um lado e de outro e me assombrava, tinha pena de mim mesmo e me sentia desanimado e medroso. O ápice do ato amoroso era pra mim nada mais que um árido promontório com uma vista desoladora. Afinal de contas, para viver feliz, um homem tem de conhecer vez ou outra alguns momentos de perfeito vazio.
Referências:
NABOKOV, Vladimir Vladimirovich. O olho. Tradução de José Rubens Siqueira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
FIGUEIREDO, Rubens. Prêmio literário. Ganhador do Portugal Telecom, Rubens Figueiredo analisa Nabokov. Disponível em: revistacult.uol.com.br/home/2011/10/nabokov-lolita/