Narrativas poéticas contemporâneas

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Entenda um pouco mais sobre as narrativas poéticas nacionais e veja algumas dicas de leituraf46555961a3b05f8489916111a8a1573

Basta percorrer, mesmo descompromissadamente, os olhos pelas prateleiras e estantes de qualquer livraria no país atualmente para chegar a uma simples e óbvia conclusão: o número de publicação de narrativas, sobretudo de romances, é muito maior que os outros gêneros. Qual seria a causa de se publicar tantos romances e pouquíssima poesia, por exemplo? A questão é deveras longa e complexa, e demandaria uma reflexão mais extensa. Porém, à primeira vista, alguns elementos parecem ser bem evidentes, sobretudo que o mercado parece ter uma enorme preferência pelas narrativas.

Mas não todas. Mesmo dentro das narrativas, há certos modelos que parecem sobressair em relação a outros. Alguns paradigmas narrativos são praticamente impostos pelo mercado: narrativas policiais, histórias de fantasia ou histórias de amor ao maior estilo “água com açúcar”, livros que quase sempre têm muito pouco a oferecer algo além daquilo que já foi explorado anteriormente por outras obras de mesmo gênero; em uma mesmice que parece estar longe de se saturar. Isso sem falar nos livros de autoajuda e esotéricos. Mesmo sem ser puritano e tentar colocar tudo em uma escala de valores, diferenciando alta e baixa literatura, é essa a realidade que temos.

Se a “culpa” é dos leitores ou das editoras, é outra história. Mas lidamos com um fato: certos estilos são preferidos ao invés de outros. Como tentar escapar da imposição mercadológica que exige certo estilo ao escritor? Como escrever e publicar, por exemplo, poesia em um mercado quase totalitário de narrativas? A resposta pode vir em uma fuga que, no fundo, percorre um caminho ao encontro do mercado. Alguns autores preferem a narrativa poética.

O diálogo entre esses dois gêneros não é recente e nem cabe aqui ficar fazendo um resgate histórico que mostrasse essa relação ao longo dos tempos. Mas é interessante ver como, atualmente, vários escritores andam buscando uma saída na mistura de elementos narrativos e elementos poéticos, narrativas poéticas, algo que não acontecia de modo tão frequente anteriormente. Se você também está interessado em buscar novas leituras e fugir um pouco do clichê narrativo, procure um dos livros abaixo. São belos e desafiadores.

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Vermelho Amargo – Bartolomeu Campos de Queirós

Narrativa curta do escritor mineiro recentemente falecido. Dedicou-se quase integralmente a carreira literária à composição de obras infantojuvenis, vencendo prêmios nacionais e internacionais. Em 2011, aventurou-se em uma narrativa adulta com contornos autobiográficos e uma linguagem rebuscadamente poética: Vermelho Amargo.

Queirós constrói uma narrativa em primeira pessoa a partir dos olhos de um menino que perdeu a mãe e mora com o pai e a madrasta. A narrativa se passa na memória do narrador, que faz reflexões existenciais a partir das fatias de tomate cortadas por sua madrasta, que agridem a naturalidade de um prato bem posto para uma refeição. A beleza, a dor e a tristeza caminham de mãos dadas nessa narrativa.

Na Escuridão, Amanhã – Rodrigo Pereira

Outro belo exemplo é o romance do catarinense fundador do jornal paranaense de literatura Rascunho. A narrativa gira em torno de uma família que sai do campo e vai para cidade. Porém, ao invés de construir a ideia de um paraíso idílico perdido, o narrador vai desvendando os elementos trágicos desde os tempos de roça. O lirismo conduz as páginas, marcadas também por elementos biográficos.

Eu Receberia as Piores Notícias dos seus lindos Lábios – Marçal Aquino

Como já disse aqui em outra oportunidade: eis um romance poético, trágico e no limitar entre o belo e o clichê. Cauby, narrador em primeira pessoa, é um fotógrafo que vai para o interior do Pará durante uma corrida do ouro para fotografar prostitutas. Conhece Lavínia, mulher do pastor da cidade. O amor enlouquecido que Cauby sente pela jovem de personalidade dupla o conduz a perigos imensos. Triste e belíssimo.

Aos 7 e aos 40 – José Anzanello Carrascoza

O projeto gráfico do primeiro romance desse premiado contista já mostra a diferença em relação aos livros em geral. O texto possui duas cores: verde para marcar os acontecimentos na infância e um tom mais acinzentado para o texto que mostra o personagem com a idade de quarenta anos. Aos 7, a narração é em primeira pessoa. Aos 40, em terceira. Aos 7, temos um texto prosaico e aos 40, um texto em versos. A sucessão dos capítulos conectam os temas entre as duas idades do protagonista, sua relação com os pais na infância, e sua relação com o filho, na idade adulta, fruto de um relacionamento fracassado.

Lugar – Reni Adriano

Único romance do escritor mineiro Reni Adriano, lançado no ano de 2010 e ganhador do Prêmio Governo de Minas Gerais em 2009, possui um texto verborrágico, no qual os sentimentos mais profundos vêm à tona por meio de uma construção frasal ímpar e uma estética própria. Lugar é um vilarejo que parece estar à parte do mundo, tal qual a Macondo de Gabriel García Márquez. O menino Inácio é o protagonista da história que tem o seu avô Gaio como pivô de muitas histórias que acontecem no vilarejo, povoado de elementos fantásticos.

Sinfonia em Branco – Adriana Lisboa

Romance memorialista-poético traz as irmãs Maria Inês e Clarice, as protagonistas desse romance que envolve dramas familiares, silêncio e trauma. Detalhes são ocultos e revelados a medida que a história ganha corpo e segredos sendo revelados. Fragmentado e não linear o romance é sintomático no que tange as relações pessoais e tentativa de superação – sem a pieguice de autoajuda.

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