A força da mulher nordestina sobrevive neste romance
Nathan Sousa já é veterano em literatura, tendo publicado cinco livros de poesia – um deles, Um esboço de nudez (Penalux), finalista do Jabuti 2015. Sua estreia como romancista se dá, agora, em Nenhum aceno será esquecido, pela mesma editora.
A narrativa é simples, fluida e convida à leitura contínua. Acemira uma jovem de 27 anos, mãe de três filhos que fica viúva, e assim, sem sabermos nada sobre o passado dela, começa a história de uma cidade.
Acemira resolve seguir os instintos à procura de um novo lugar para viver. Seus três filhos, Álvaro Reis, Germano e Engrácia, pouco entendem da empreitada. No caminho, encontram uma parteira, mulher sofrida mas lutadora como a própria Acemira, e como todas as mulheres desse romance. Na casa de Constância, encontram ainda um vendedor ambulante, bastante viajado e cheio de histórias para contar. E é esse homem, Severo Vasquez, quem dá a direção do lugar onde Acemira vai se estabelecer, ao sul do Piauí.
Ninguém sabe ao certo exatamente onde é esse lugar, mas o pequeno núcleo familiar não perde a fé. Até que Álvaro Reis é acometido de um mal-estar que o faz vomitar muito e finalmente dizer: “É aqui”.
Logo a pequena família faz uma casa, próximo a uma comunidade indígena, e poucos meses depois vem a surpresa: Um primo distante chega com a própria família. Trata-se de Pedro, casado com Santíssima, que despertará uma grande paixão em Álvaro Reis.
Depois de consumado o ato de amor entre os dois, a história muda de direção. O nascimento de uma filha cega de Santíssima, a tímida mas forte Maria Clara, parece fazer com que o lugarejo se desenvolva. O batismo quem faz é a própria Acemira, na ausência de um padre. Ela conhece o latim ritual e é a matriarca do vilarejo, sempre em crescimento. Todos confluem para aquele local que mais tarde será batizado por Santíssima de Terra dos Anjos.
Acemira, Constância, Maria Clara, Santíssima, Engrácia e outras mulheres fortes compõem um enredo simples e prazeroso, que nos leva até o momento em que os políticos chegam à vila para transformá-la em cidade. Não há peripécia que ocorra sem a intervenção de uma dessas personagens modelares. Flória, filha de Santíssima, é louca, mas tem conhecimento da vida. Há um caso de suicídio – de uma mulher. A prevalência do feminino árido – não é Acemira um nome ácido? – é a tônica da narrativa.
O estilo é uma marca interessante nesse romance. O narrador tem uma maneira quase crua de contar. Os diálogos são mínimos, mas fortes e sugestivos.
“—Em todo lugar do mundo o amor une, – dizia – só aqui que ele separa”, aponta Maria Clara, a moça cega e cheia de segredos.
O fim concorre como o esperado pelo leitor, o que, no entanto, não diminui a obra. A riqueza estilística de olhar-de-lupa e das breves falas são o deleite do leitor, que não fica indiferente a tantas vidas.
Pelas indicações do texto, a narrativa ocorre no século XVIII, já que o padre Norberto, que finalmente chega ao conjunto de quatro ruas formada em vila, gaba-se de ter conhecido o Papa Pio VIII. Isso pode desnortear o leitor mas, se ele for atento, vai entender que isso pouco importa: toda a saga dessa família sem sobrenome e seus agregados poderia ocorrer hoje. O narrador dá conta de, em apenas 117 páginas, contar uma história de 50 anos passados há quase três séculos. Mas algo sobrevive da força da mulher nordestina apresentada por Nathan – na capa, uma moça cosmopolita caminha entre carros e multidões. Chegamos ao século XXI e urbano.
Nenhum aceno será esquecido foi laureado pelo Prêmio José de Alencar (2015) da União Brasileira dos escritores.