Há mais de meio século, a escritora americana Sylvia Plath deixou este mundo
Começo a procurar na estante tudo o que posso encontrar dela. O primeiro livro que pego é um livro feliz. Drawings são coleções de desenhos e ilustrações de Plath quando a paixão por Ted Hughes era nova, eterna, invencível.
Lendo algumas cartas escritas por Sylvia Plath ao marido, é fácil se emocionar com o tom aparentemente trivial na sua escrita para ele.
Sabendo da dor de amor que ele causaria nela anos mais tarde, eu me aconchego, meio sem graça e já sabendo que fim vai ter isso, para perto da simplicidade e do descompromisso usados para descrever banalidades e impressões que nota, longe dele, longe do país de origem. Tudo escrito com o humor, envolto e confiado na certeza da cumplicidade. São pedaços de imenso amor, mas não evidentemente.
Um trecho:
“Dearest love Teddy.
A brilliant grey morning… Sweet gift of an extra hour last night. – why can’t they do it everyday? All the new little girls, including Janeen, Dina, Jess, Marie, left for church this morning after breakfast armed with bibles talking about catching the service as if it were a bus. I beamed benevolently at them over my third atheist cup of coffee and ate my existentialist egg; […]”
Só a intimidade é capaz de rir dos outros com tamanha cumplicidade. Sylvia brinca com a seriedade das conhecidas tão religiosas, enquanto ela aprecia a pura observação de tamanha fé sem ter fé alguma.
De certa forma, fica difícil adotar uma atitude blasé em relação à vida de Sylvia Plath quando a própria autora deixou publicado tanto material íntimo. Uma das características da sua obra é exatamente o teor confessional. Seu relacionamento turbulento e passional com Hughes sempre foi material de grande especulação. Encontramos pegadas e pedaços dos dois em tudo que escreveram. (Ou assim imaginamos.) O fato é que, desde menina, Plath sofria com seus distúrbios emocionais, numa sociedade americana nos anos trinta que transformou em tabu qualquer distúrbio mental. Sylvia cresceu com essa inadequação e nós temos a possibilidade de encontrar vestígios ou até de forma mais óbvia, evidências do socorro a ela não prestado.
Talvez seja possível discutir que, além de uma literatura de altíssima qualidade, Plath tenha nos deixado um alerta, uma abertura para discussões importantes como essa de distúrbios mentais. Talvez possamos até mesmo especular que a tragédia em volta de Sylvia poderia ter sido evitada se os remédios antidepressivos que começou a tomar dias antes de morrer tivessem sido dados mais cedo. O fato é que Sylvia Plath hoje caracteriza um tipo de comportamento conhecido como “efeito Sylvia Plath”. Segundo o psicólogo americano James Kaufman, o comportamento é predominante em escritoras, poetas, mulheres mais que qualquer outro tipo de artista. Talvez aquela melancolia sem nome, sem forma, sem som e rosto, mas que tem uma cor cinza, de neblina e mormaço. Uma sensação de estar fora de si.
Não pretendo vagar imaginando hipóteses de assuntos tão fascinantes, embora fora do meu alcance. O que sobra para mim de Plath não é a sua depressão, psicose, bipolaridade ou pura inadequação social. O que me resta é mais: são seus poemas, seus desenhos, suas cartas e sua Redoma de Vidro (único romance publicado em vida). Tudo pespontado com um tipo de amor sem volta, intenso – quem sabe doentio? E quem há de culpá-la por tanta emoção com o marido de incrível talento, mesmo que impossivelmente vaidoso?
Sobram pra mim Plath e a mais poética loucura.
Quando não se cura de um amor, padece-se dele. Vivo ou morto.