Nossa eterna busca pelo que não se completa

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A construção da identidade em O Xará, de Jhumpa Lahiri, é mais universal do que pode parecer

Jhumpa Lahiri | Foto: Marco Delogu/The New York Times

Jhumpa Lahiri, filha de imigrantes indianos, nascida em Londres em 1967. Nikhil (Gógol) Ganguli, filho de imigrantes indianos, nascido em Boston em 1968. Dois fragmentados: autora e personagem. Duas histórias. Uma busca: o pertencimento.

O Xará é um livro extremamente agoniante, mas ao mesmo tempo que é aquele tipo de obra que te faz sentir aquele quentinho no peito. Contraditório eu sei, mas acredite, é justamente aí que se realiza todo o sucesso da obra. Jhumpa Lahiri, exatamente como seu personagem Gógol, é nascida e criada fora do país de origem de seus pais, a Índia. O sentimento de incompletude consequente dessa história de vida é algo como uma eterna espera junto de uma eterna certeza de que não haverá nunca uma chegada, um final.

Considerando que, segunda ela própria, a intenção do livro era criar uma reprodução dessa sensação de eterna busca e mudança e migração e nunca de um pouso; bom, é seguro dizer que Jhumpa não teve êxito, mas um estrondoso (apesar de silencioso) sucesso.

“Ser estrangeira é uma espécie de gravidez eterna” – trecho do livro.

Não se trata (apenas) de uma narrativa impossível de largar, e sim do fato de que é impossível sair da narrativa mesmo depois que ela acaba. Lahiri não nos pega pela mão e nos conduz por uma narrativa incrível e impecável; Lahiri nos envolve nessa trama de forma tão natural – e igualmente profunda – que o final do livro é como a retirada de um curativo: brusco, quase dolorido.  Depois de tantos “quase” ao longo de todo o enredo, a curva final da história de Gógol (pelo menos do trecho que Jhumpa nos revela) é tão “fora da curva” que nada poderia fazer mais sentido do que ela.

Após uma vida na beira do abismo, tentando agarrar algo está a apenas um milímetro do seu toque, por que então não abraçar de uma vez o vazio? Se isso significou para Gógol e sua família se atirar no abismo ou passar a apenas admirar de longe a realidadade que tanto desejavam viver, é apenas mais um dos infinitos quesitonamentos que a obra desperta em nós.

O Xará (Biblioteca Azul, 2014)

Um pouco como as personagens, não há quem passe por essa vida sem sentir-se no vácuo – passageira ou permanentemente – ou extremamente cheio de algo que não tem ideia de como colocar para fora. Não há ser humano isento do sentimento que Lahiri tão finamente narra pela vida de Gógol, tão fina e realisticamente que é difícil entender o que nos incomoda. E o que nos incomoda é aquilo de inacabado que há em cada um de nós, e que muito provavelmente vai permanecer inacabado para sempre.

E voltando rapidinho ao curativo,  do mesmo modo O Xará nos ajuda a tratar feridas e demais problemas que provavelmente nunca tínhamos notado. Da mesma forma que nos abre os olhos para o quanto é subestimada a sensação de lar, de família, de pertencimento; algo que paira a obra de Jhumpa sem jamais entrar de fato como componente da obra. Gógol vive uma vida toda sem nunca chegar a uma completa satisfação; apesar de cada começo de relacionamento, cada pequena conquista, cada mudança e cada atitude de auto afirmação, é como se imediatamente a vida voltasse a escapar por seus dedos, forçando-o a retomar seus passos firmes e constantes, decididos, porém sem identidade.

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