Notas sobre Ulysses, de Joyce: perdido no jornal – Vilto Reis

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Só para você saber, agora está num jornal. Sinta/ouça.

“As máquinas tilintavam em compasso três por quatro. Prensando, prensando, prensando. Agora se ele ficasse paralisado ali e ninguém soubesse como parar aquelas prensas elas iam continuar tilintando sem nem dar por isso, imprimir e comprimir e oprimir e deprimir. Bagunçar a coisa toda. Precisa ter cabeça fria”.

Sua sensação ao começar a ler Ulysses, de James Joyce, é estar à frente duma grande máquina. Ela está aberta e você observa como ela funciona. A máquina é uma impressora, que vai deixando certas marcas em seus sentidos, mas você continua não entendendo como ela funciona; e, de certa forma, não precisa. Seus olhos vão saltando em cada ponto, em cada palavra que parece não terminar, como se a incompletude da frase fosse apenas para te deixar constrangido, envergonhado, com uma sensação de nudez. Porém a máquina continua, vomitando expressões como “verderranho” ou “multiacarinhado”. Aos poucos você se sente como Stephen Dedalus, andando numa praia e tendo pensamentos que a maioria acharia ilegíveis; e por isso, talvez, que muitos considerem o trecho a que me refiro totalmente impossível de ler.

Mas já que estamos no jornal, lembre-se, atenho-me ao trecho abaixo:

“É engraçado como esses sujeitos da imprensa mudam de lado quando o vento vira. Biruta. Quente e frio no mesmo bafo. Não dá pra saber em que acreditar. Cada estória é boa até você ouvir a outra. Caem uns em cima dos outros sem cerimônia nos jornais e depois tudo vira ar. Ave amigo benvindo um minuto depois”.

E você percebe que o tempo é imutável; que não importa se Joyce escreveu este texto há quase cem anos atrás; que as pessoas não mudam.

E você está na frente da máquina. E não entende. Mas a admira.

E esta é apenas a primeira nota sobre Ulysses. Outras virão.

***

Ilustração de Roman Muradov, para o  New York Times, 2012.

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