Em Nove Noites, de Bernardo Carvalho, o leitor é bombardeado por indagações, devido a dois narradores inquietos, fascinados por um mistério sem respostas, que permite apenas hipóteses.

Um bom romance, de fato bem estruturado e bem escrito, pode ser reconhecido logo nas primeiras páginas. É quando a narrativa envolve o leitor, puxa-o para dentro de seu universo de maneira que ele não pode mais escapar até ser cuspido de volta ao mundo real, já modificado. Assim é Nove Noites, de Bernardo Carvalho. Da primeira à última página, o leitor é bombardeado de indagações, por dois narradores inquietos, fascinados por um mistério que não tem respostas, só permitindo hipóteses.
O mote da trama é o suicídio de um antropólogo americano, Buell Quain, em 1939, enquanto estudava uma tribo indígena no Tocantins. Os capítulos são intercalados: o primeiro narrador é um trabalhador da região, que conviveu com o antropólogo durante sua estadia no Brasil, tendo se encontrado com ele precisamente em nove noites; o segundo narrador é o suposto autor do romance, que conta como se interessou pela história e foi pesquisar para construir sua obra. Os dois narradores acreditam ter a resposta do porquê do suicídio de Buell e os capítulos se cruzam em alguns pontos. Em determinado momento, fica difícil distinguir ficção e realidade, pois os fatos pesquisados misturam-se aos fatos imaginados, a vida do escritor mescla-se com a vida do antropólogo, num quebra-cabeça que torna a aventura da leitura ainda mais interessante, sem que para isso seja, em absoluto, confusa ou cansativa.
Buell Quain, etnólogo americano que estudava a tribo krahô para a elaboração de um livro, mutilou-se e enforcou-se em agosto de 1939, aos 27 anos. Ele deixou 7 cartas, para membros da famílias e autoridades nos Estados Unidos e no Brasil. Sempre teve gosto pelo exótico e tendência à solidão. Os motivos do suicídio especulados são problemas familiares, questões políticas, uma doença não revelada, ataque de loucura. Mas o autor opta por uma linha diferente, considerando a possibilidade de uma oitava carta deixada, não revelada, que elucidaria o mistério.
Dentre os rituais da cultura indígena e as pesquisas biográficas, o leitor mergulha num mundo subjetivo de afinidades, angústias, obsessões e desesperos comuns a todo ser humano. O que leva um homem a deixar sua terra por um país estranho e isolar-se em meio a uma nova cultura para observá-la? Qual o grau de sofrimento ou loucura a que ele pode chegar a ponto de se autoflagelar e suicidar-se? Por que temos fascínio por histórias assim?
“As histórias dependem antes de tudo da confiança de quem as ouve, e da capacidade de interpretá-las.” (CARVALHO, Bernardo. Nove Noites)
Você está disposto a ouvir essa história?
Referência:
CARVALHO, Bernardo. Nove Noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.