Quero começar dizendo que amo sebos. Amo bibliotecas, amo livrarias. Mas amo em especial os sebos.
Gosto de livros com cheiro de novo, sim – que acabaram de vir ao mundo, etecétera. Acontece que livro de sebo conta sempre história a mais. É a história de alguém que escreveu somada a história de um livro que saiu da livraria, viajou até as mãos de outra pessoa e, por qualquer motivo, está sendo vendido por um preço nadica de nada digno, no sebo.
Devo lembrar, além, que todas as pessoas têm vícios. Tem gente que gasta com sapato e está nem aí. Tem gente que gasta com roupa, e daí? Tem outro tipo de gente que gasta com bebiba. E tem até gente que tem o vício de economizar. Eu gasto com livros.
Foi anteontem que passei toda tarde atrás de um livro, um em especial. Falo dele amanhã. E dei de cara com um sebo no centro. O lugar era mesmo muito agradável e eu devo ter ficado muito tempo lá. O chão era de madeira, tocava música popular brasileira (incluindo conhecidos e desconhecidos) e o cheiro de coisa velha, que eu adoro, tava em tudo. Tinha discos de vinil, quadrinhos, revistas, cds e livros. Fui pra área de infantis porque estava farta de livro de adulto. Eis que encontro Flicts, a Bolsa Amarela, O Fantástico mistério de Feiurinha, Pinóquio de Gepeto… tudo amontoado num canto, bem escondidinho. Só que agora, e só agora, de verdade, eu pensei como é que uma pessoa pode ter se desfeito desses livros? Claro, comecei falando disso. Mas, na real, anteontem, só agora eu pensei. Eu tenho a maioria deles e não os daria nunca na vida. É a minha infância em livros. Como a infância em fotos. É história, mas é, também, memória. Não é possível que alguém não tenha se apaixonado por eles para vendê-los por uma merrequinha ao sebo.
Fiquei muito encucada. Mas antes de sair, perguntei, enfim, do livro que queria. Tinha. E o estado físico do livro estava praticamente entrando em degradação. Rejeitei. Feio, feio, feio. Mas rejeitei. Virei realmente uma criminosa. Eu poderia restaurar o livro. Operá-lo. Cola, tesoura, fita, pra quê? Mas não. Deixei morrer. Provavelmente vai virar reciclagem, tendo sorte. Sou assassina. Nata. Tô péssima mesmo. E não me venha com essa de que ele poderá encontrar alguém porque é mentira. Tenho tanta certeza do destino dele como do fato de que o carneiro acabou comendo a flor do principezinho. É assim! A vida é. E isso não é um consolo.