Sexo, desejo e velhice. Poucos concatenam essas três palavras tão bem em uma história quanto Philip Roth. Em Animal Agonizante (Companhia das Letras, 2006), o protagonista culto e confiante de si chama-se David Kepesh, professor aposentado e apresentador de um programa cultural.
Como é comum em Roth, o escritor desenvolve com esmero, como o de um compositor diante do que pretende ser sua obra-prima, a personalidade do protagonista. Kepesh é sofisticado e conquista garotas de um terço da sua idade a partir do fascínio que exerce sobre elas. Ele tem consciência disso ao dizer que “elas me conhecem de me ouvirem fazendo resenhas de livros na rádio educativa, ou então de me verem no canal 13 falando sobre cultura”.
Sua autoconfiança sexual é transbordante e seu gosto exigente em relação às mulheres lapidado pelo correr dos anos. Ele as observa, descarta o que chama de “garotas desmazeladas, tronchas que dizem ‘tipo assim’ cada vez que abrem a boca” e elogia o equilíbrio, a postura perfeita, o conhecimento sobre a vida adulta e o modo de se vestir das que o encantam.
Apesar disso, tem seus próprios princípios quanto a se aproximar de alunas. Durante o curso livre de 14 semanas que ministra na universidade, ele evita ter um caso. Seu “truque”, como ele chama, é promover uma festa no seu apartamento para os alunos, ao final do curso. Sua estratégia, além dos traços pessoais, são seus hábitos sofisticados: “elas veem minha extensa biblioteca onde estão guardados os livros que li ao longo de toda a minha vida, que ocupam quase todo o andar de baixo; veem o piano; veem como sou dedicado ao trabalho, e vão ficando”.
Kepesh revela um forte sentido prático no processo de sedução. Não há espaço para enrolação ou subterfúgios. Segundo ele, não há nada de interessante numa relação a dois se o sexo não for uma variável que ambos levem em conta. Além disso, julga que o casamento para ele nada mais é do que a busca por curar o ciúme. Depois de seu primeiro casamento, que julgou ruim e “que tantas pessoas fazem”, decidiu “nunca mais voltar para dentro da gaiola”.
Esse desenvolvimento psicológico do personagem é extremamente importante para o contraste que vem a seguir, que é o seu envolvimento com Consuela Castillo, jovem de vinte e quatro anos, filha de uma rica família de imigrantes cubanos. Ela vai ser o furacão a devastar toda a segurança, racionalidade e controle sobre as coisas em torno de si erigidos pelo protagonista. É o despertar da consciência de definhamento, da compreensão de que uma mulher como Consuela, longe de dar a ele a ilusão da última oportunidade de ser jovem, torna essa distância da juventude ainda mais evidente: “Você nunca tem a menor dúvida de que quem tem vinte e quatro anos é ela”. Chico Buarque expressou bem essa ideia em “Essa Pequena”.
A partir de então, vamos acompanhando a outrora sólida personalidade do protagonista desfazendo-se em lamentações e inseguranças, revelando todo o poder transformador que o caráter bravio da sexualidade e o poder magnético e irracional da paixão exerce sobre o indivíduo.
Por conta de todo o latente pessimismo na forma como analisa o casamento, pelo hedonismo expressado nas suas afirmações e pelo jogo de interesses e estratégias com que conduz a relação com suas alunas, Roth pode ser admirado por quem gosta de uma visão mais descritiva sobre as relações humanas ou odiado por quem se vincula a uma ideia mais romanesca do mundo. No entanto, é impossível passar sem afetar a sensibilidade do leitor.