O mistério por trás da relação entre o escritor Lewis Carroll e a menina que o inspirou nas obras Alice no país das maravilhas e Alice através do espelho
Alice no país das maravilhas é um dos livros mais conhecidos do escritor inglês Lewis Carroll (1832-1898), pseudônimo, na verdade, de Charles Ludwidge Dodgson, que além de ficcionista de estórias infantis, fora também poeta, bibliotecário, matemático e um apaixonado por fotografia. Porém, o que muitos não sabem é que Alice, de fato, existiu, e a relação entre a menina que inspirou umas das personagens mais célebres da literatura infanto-juvenil e o seu respectivo autor é um dos pontos mais instigantes e controversos de sua misteriosa biografia.
Carroll tinha um fascínio um tanto quanto curioso em fotografar menininhas com poucos trajes e, por vezes, sem roupa alguma. Sim, e o escritor deixava claro que gostava de fotografar crianças, exceto meninos. Todavia, é bom ressaltar que todas as fotografias eram feitas com o consentimento dos pais das menores, o que torna menos maleável a conduta de seu respectivo fotógrafo, e que, embora possa denotar estranheza nos dias de hoje, no seu antigo século XIX de uma Inglaterra aos moldes vitorianos[1] era vista com extrema naturalidade.
Uma das modelos de Carroll fora exatamente quem o inspirou nos dois livros que o popularizou no mundo inteiro: Alice no país das maravilhas (1865) e Alice através do espelho (1873). A menina chamava-se Alice Liddell, e era filha de Henry George Lindell, deão da Christ Church College (futura Universidade de Oxford), onde, na época, Lewis Carroll, ainda apenas Charles Dodgson, era bibliotecário. Ela tinha apenas três anos quando ele a conheceu durante uma sessão fotográfica com o amigo Reginals Southey.
Ao longo da infância e juventude de Alice, ambos, mantiveram um relacionamento muito próximo, o que faz com que seja muito especulado que o autor possa ter tido uma paixão platônica pela menina. Quanto às fotografias, poucas delas sobreviveram — ao todo, apenas cinco —, já que o próprio pedira que, após a sua morte, fossem destruídas ou devolvidas as crianças e aos seus pais.
Em Pleasures Taken — Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs, livro da autora Carol Mavor, é possível ser encontrada umas das fotografias assinadas por Carrol, sua modelo seria a menina Evelyn Hatch completamente nua, tirada em 1878.
Dúvidas e polêmicas à parte, o fato é que as cartas de Lewis Carroll às meninas com quem ele fotografou revelam uma intimidade fora do comum. Em umas destas cartas, queimadas pela mãe de Alice Liddell, o escritor se despedia da menina com dez milhões de beijos, além de costumar pedir de presente cachos de cabelos para beijar. Há quem diga que o seu édipo fosse mal resolvido, como explica a psicanalista Phyllis Greenacre, fazendo com que Carroll projetasse nas meninas a imagem da mãe, uma vez que a diferença de idade entre ele e sua modelo era quase similar.
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O original de Alice no País das Maravilhas
Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll
Em matéria do Jornal do Brasil, publicada em 24 de novembro de 2001, foi abordada também a mesma polêmica que envolve o escritor e a menina Alice Liddell, a natureza dessa relação e o seu fascínio em fotografar menininhas em poucos trajes, sob o ponto de vista de autores que estudaram sobre o tema:
Nenhuma especulação, no entanto, desperta tanta curiosidade quanto as que se referem à vida do autor e à sua relação com a ninfeta Alice. Na leitura que faz da questão, Gardner esquiva-se de apostar na tese de pedofilia, deixando a questão em aberto. ”Estava Carroll apaixonado pela Alice real? Sabemos que a sra. Liddell percebeu algo de insólito nas atitudes dele em relação à filha, tomou medidas para desencorajar-lhe as atenções e finalmente queimou todas as primeiras cartas para Alice”. Mais à frente, ele completa: ”As menininhas de Lewis Carroll talvez o atraíssem precisamente porque com elas se sentia sexualmente seguro. Havia na Inglaterra vitoriana uma tendência, que se reflete em grande parte na literatura e na arte, a idealizar a beleza e a pureza virginal das meninas. Isso sem dúvida tornou mais fácil para Carroll dar por certo que seu gosto por elas se situava num elevado plano espiritual.”
Uma das melhores páginas sobre esse conflito não está, no entanto, nesta edição comentada, mas sim na interpretação de Katie Roiphe, autora de Still she haunts me (Ela ainda me assombra), livro que romanceia a relação entre Carroll e Alice. Para Roiphe, ensaísta renomada que deu com essa história seu primeiro passo na ficção, há uma certa nobreza no autocontrole de um homem que lutou a mais árdua de todas as batalhas do mundo: seu próprio desejo. Ela diz: “É impossível para nós contemplar um homem apaixonado por garotinhas sem querer colocá-lo na prisão. As sutilezas, para quem vive as paranoias do século 20, são difíceis de serem compreendidas. O amor de Carroll não era nabokoviano; era delicado, torturado e esquivo. Era uma paixão muito estranha e complicada para ser definida em uma única palavra”, escreve. Ao fim de um artigo escrito recentemente para o jornal The Guardian a respeito de Carroll, ela conclui: ”Ele tinha pensamentos, impuros, sim. O que importa, no fim, é o que ele fez deles.”
Se havia no autor uma natureza de tessitura psicossexual relacionada à Alice Liddell e às demais menininhas que gostava de fotografar, talvez nunca saibamos. O fato é que Alice no país das maravilhas é um dos maiores clássicos da literatura infanto-juvenil, dotado de riqueza linguística e semiótica, que faz de Lewis Carroll um dos mais importantes nomes da literatura universal, referência para muitos escritores e apreciado por leitores do mundo todo.
[1] Referente à era vitoriana (1837-1901), período em que a Rainha Vitória reinou sobre a Inglaterra, durante 63 anos.