É bom lembrar que Nelson Rodrigues fez-se escritor, basicamente, dentro das redações de jornais. De suas passagens por redações, há registros lendários.
Quando mencionamos Nelson Rodrigues, logo lembramos de suas peças teatrais, não à toa, pois, inegavelmente, ele foi o maior autor do gênero no país. Sábato Magaldi,um incansável estudioso do teatro Rodrigueano, classificou seus textos em três ciclos: peças míticas, peças psicológicas e tragédias cariocas. Dentro desses ciclos destacam-se os títulos: A Mulher sem Pecado, Vestido de Noiva, Valsa número 6, A Falecida, Os sete gatinhos, Álbum de Família, Anjo Negro, Boca de Ouro, Senhora dos Afogados, Perdoa-me por me Traíres, Beijo no Asfalto.
O pernambucano polêmico, de alcunha “flor de obsessão”, também escreveu romances, novelas, contos e crônicas. Chama a atenção na obra de Nelson a força incontestável de suas personagens femininas, tanto em suas peças quanto em contos e crônicas.
É bom lembrar que Nelson fez-se escritor, basicamente, dentro das redações de jornais. De suas passagens por redações, há registros lendários. No jornal Última hora, o autor assinava uma coluna chamada “Lágrima de Amor”, usando o pseudônimo de Suzana Flag. Sobre este trabalho do escritor, Ruy Castro, em O Anjo Pornográfico, escreve:
“Os leitores pareciam não se cansar de Susana Flag- Nelson é que já não a tolerava mais. Estava com a cabeça definitivamente no teatro, mas precisava continuar escrevendo folhetins para sustentar-se. Em 1949, Freddy Chateaubriand trocou sua função de diretor em O Jornal pelo comando do Diário da Noite e levou Nelson com ele. A pedido de Nelson, deixaram Suzana Flag para trás, congelada e morta.” (página 219)
Só que Nelson não contava com os planos de Chateaubriand, que criara para ele uma coluna em O Diário da Noite. Se Flag estava “morta”, agora existia Myrna, uma nova encarnação feminina para o flor de obsessão. Nelson respondia às cartas de leitoras apaixonadas, desiludidas, traídas, infiéis. Ler as respostas de Myrna para seus leitores é algo, no mínimo, peculiar e divertido. O público desconhecia quem era Myrna, apenas sabia que era dona de uma personalidade irreverente, mas para os mais curiosos, ela se definia assim: “Myrna sou eu. Entretanto, não é Myrna que está em causa. Quem está em causa é você.”
Os textos da coluna de Myrna foram publicadas no livro Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo, O Consultório Sentimental de Nelson Rodrigues. Essa obra traz toda a genialidade do autor em quarenta e três correspondências, a maioria são cartas respondidas para mulheres; poucas são destinadas aos homens. Nesse mosaico missivo, encontramos Lúcia, Kátia, Stella, Antonieta, Margarida, Elena entre tantas outras. O correio sentimental, apesar das inúmeras mulheres, não é nada cor de rosa, e entre elas destacam-se os bendito fruto Vadu, Paulo e Poracles.
O livro Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo, trata da busca mais incessante da vida – e da temática mais recorrente da literatura – o amor. Nele desfilam “personagens” que sofrem de dor-de-cotovelo, de abandono, ciúmes, amor devastador. Eis alguns casos em destaque: Marlene, que gosta de um homem e casa-se com outro; Clélia, que sempre namorou homens bonitos e apaixonou-se por um homem feio; Elvira, que descobre que não ama mais o marido; Olguinha, que ama dois homens concomitantemente; Madalena, que sofre com sua feiura; Sofia, a suicida; Vadu, o solteiro ,não tão convicto, que pretende casar-se com uma mulher fiel; Paulo, que sofre por sua noiva arrumar-se para os outros e não para ele; Poracles, homem casado e apaixonado pela esposa que o trata como um estranho. Sobre esses relatos folhetinescos, Ruy Castro escreve sobre a grande importância que tiveram para a escrita de Nelson Rodrigues:
“Nelson sempre vira os folhetins de Suzana Flag ou Myrna como um exercício estilístico que, se não fosse pelo dinheiro, ele podia agora dispensar. Em compensação, comovia-se sinceramente com as cartas do correio sentimental, que, por mais suburbanas, pareciam-lhe parte do grande teatro humano. Elas lhe davam subsidio para seus personagens femininos. Assim como Shakespeare fora um grande criador de tipos masculinos (Hamlet, Otelo, Ricardo III, Macbeth e muitos mais, com uma vaga concessão a Lady Macbeth), Nelson sentia-se um criador de mulheres: Lídia, em A Mulher sem Pecado; Alaíde, Lúcia e Madame Clessy, em Vestido de Noiva; dona Senhorinha, em Álbum de Família; Virgínia, em Anjo Negro; dona Eduarda e Moema, em Senhora dos Afogados; e Dorotéia e dona Flávia, em Dorotéia.” (página 220)
À primeira vista, Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo, pode parecer uma literatura de puro entretenimento, desprovida de abordagens mais densas. Porém, leitor, não se engane, o livro é simples, mas está longe de ser simplista. Como disse a escritora Patrícia Melo, não espere de Myrna “conselhos simplistas típicos de revistas femininas. Por trás de Myrna está o insuperável Nelson Rodrigues.”