O delicioso suspense sobrenatural de ‘A volta do parafuso’

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Os elementos que compõem uma das melhores narrativas de suspense de todos os tempos, a novela de Henry James A volta do parafuso.

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Não é fácil montar uma boa narrativa de suspense. Principalmente se ela tiver como base o sobrenatural. É o tipo de coisa que muitos cineastas procuram fazer, mas poucos conseguem com sucesso. Tanto que os bons filmes desse subgênero geralmente são lembrados pelos aficionados com empolgação: só para refrescar a memória dos leitores, posso citar alguns como Os outros, O sexto sentido, A chave mestra e O iluminado. São filmes que flertam com o terror, mas que sobressaem por apostar no medo do velado, do incerto, daquilo que não se vê, mas se sente.

É claro que, antes da sétima arte, a literatura já se ocupava de fazer suas experimentações em tal direção – muitas vezes, gerando as próprias versões cinematográficas, como é o caso de O iluminado. Um dos livros mais interessantes que já li dessa vertente é A volta do parafuso, do americano naturalizado britânico Henry James.

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A outra volta do parafuso (Penguin Classics Companhia das Letras, 2011)

O título, para o público brasileiro, é estranho e não dá nenhuma dica sobre que tipo de livro temos diante de nós. Mas sabe-se que ele não representa nada além de uma tradução equivocada que pegou. A expressão “the turn of the screw” indica uma pressão extra feita sobre alguém, como acontece quando um parafuso dá mais uma volta na superfície em que está sendo fixado. O problema é que a imagem não é nem um pouco clara por aqui, e pode levar o leitor a achar que vai ler um manual de marcenaria. Obviamente, isso não poderia estar mais longe da verdade.

O que lemos é a história de uma jovem que sentirá toda a pressão indicada pelas voltas do parafuso do título. Ela recebe a incumbência de atuar como governanta de uma afastada casa de campo em que moram duas crianças, Flora e Miles, sobrinhos do dono da propriedade. Esse tio que a contrata é charmoso, mas aparentemente relapso: não deseja ter qualquer preocupação com os meninos e pede que a moça resolva o que for preciso, sem incomodá-lo. A princípio, ela ocupa seu posto animada e encanta-se pelas crianças, que se mostram como pequenos anjos a seus olhos; porém, com o passar do tempo, começa a sentir uma presença sobrenatural no local e a temer que esses supostos seres do outro mundo possam estar influenciando, de alguma forma, seus pupilos.

Grande parte da graça – se é que podemos nos expressar dessa maneira – da literatura de Henry James encontra-se justamente na forma como ele constrói suas histórias. De verdade, gostaria eu de saber montar diálogos como James. Cada palavra é cuidada de forma que revele alguns elementos do todo, mas não o essencial. As dúvidas que a governanta coloca para a sua confidente, a sra. Grose (outra empregada do local), são respondidas de maneira obscura e evasiva: ora a mulher minimiza as suas preocupações, ora alega completo desconhecimento das coisas. No entanto, o leitor aos poucos passa a desconfiar de que existe algo ali. De que a sra. Grose não está contando tudo o que sabe. E de que a governanta, isolada e solitária, não tem muito a quem recorrer se suas suspeitas se confirmarem. É uma situação típica das boas histórias do gênero, em que não há certezas, não há auxílio e muito menos uma solução fácil para um problema que foge de toda a normalidade. Além disso, tem o bônus de uma narrativa que mantém todos esses elementos pendentes até o fim.

O trabalho com a primeira pessoa é machadiano e serve para apimentar as coisas. Alguns críticos questionam toda a já duvidosa narrativa da protagonista, trazendo à tona uma explicação mais freudiana para a história. Contudo, não darei pistas dessa visão, sob o risco de que ela entregue demais. Cabe uma leitura atenta da obra e uma pesquisa posterior, para que as crenças iniciais sejam, quem sabe, abaladas. O que posso afirmar é que a literatura de James autoriza esse tipo de interpretação, já que o autor possui uma habilidade gritante de construir personagens psicologicamente interessantes. A leitura de outras de suas obras pode confirmar essa ideia com tranquilidade.

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De brinde, o leitor ganha uma das melhores adaptações cinematográficas de livros a que eu já assisti (e eu garanto que já assisti a várias!): o filme Os inocentes, de Jack Clayton (1961), com a bela Deborah Kerr no papel da governanta. Um excelente trabalho, que captou com toda sutileza os vazios e os silêncios da obra de James.

Interessado? Pois dê um pulinho na livraria e vá atrás dessa novela. O excelente Paulo Henriques Britto lançou recentemente uma tradução dela para o português (mantendo uma segunda versão brasileira para o título, A outra volta do parafuso), o que é mais uma razão para lê-la. Trata-se de uma boa introdução à obra de um escritor com o calibre de Henry James.

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