Escritor carioca apresenta ficção com proposta peculiar, unindo poesia e erotismo em narrativa sinestésica
Thiago Mourão, mais conhecido como Pocket Poeta, é carioca e reside no bairro do Catete, Zona Sul do Rio de Janeiro. Publicou recentemente seu primeiro livro de ficção Java Jota (editora Patuá), apontado pelo diretor teatral Fernando Guerreiro, que assina a sua orelha, como um “caleidoscópio frenético às vezes sublime, muitas vezes vulgar, mas nunca artificial ou empostado.” Para o jornalista e escritor Sérgio Tavares, a respectiva novela “começa com uma poesia lisérgica, uma narrativa mezzo hedonista mezzo existencial, até que se desvenda um embate onírico entre criador e criatura dos mais surpreendentes.”
O livro é um passional e declarado tributo à mulher como também à literatura, do qual exibem-se as peripécias e devaneios do poeta Java Jota, quase sempre relacionadas a Rosa, sua musa inspiradora, que tanto pode ser uma única quanto múltiplas.
Embebedando-se do mais refinado lirismo com ingredientes de tessitura erótica, a história traça um breve relato que segue sem um enredo propriamente dito, não exibindo, por sua vez, um método linear, o que faz com que a novela possa ser lida em capítulos alternados sem que se perca o fio da narrativa.
A linguagem de Java Jota mostra-se como um corpo melódico que se concentra na vibração dos sentidos atmosféricos que agita a psique do herói-poeta. Logo o tempo e o espaço são linhas invisíveis ou simplesmente dissociáveis onde a cadeia do fruir é a única intenção da obra.
Em entrevista exclusiva para o Homo Literatus, Thiago Mourão conta sobre o processo de construção de sua novela, a ligação com a poesia e a experiência como estudante de literatura, na Harvard.
Homo Literatus: Java Jota me pareceu um livro com uma proposta muito peculiar. Durante toda a leitura, muitas vezes, achei estar lendo um poema em prosa muito bem delineado, mas que, logo depois, se manifestava a uma prosa de ficção. Como surgiu a concepção do projeto?
Thiago Mourão: Java não começou a ser escrito para ser um livro. O personagem surgiu do nada, e foi surgindo em vários contos, ao longo de uns três anos. Eu estava querendo lançar um livro, quando fui ver, o melhor e mais rico material que tinha era sobre Java Jota. Claro, foi muito modificado, porque aí comecei a entender a que ele me servia. Sempre admirei escritores que escrevem bem. Adoro boas histórias, sou fã de Sidney Sheldon, um dos maiores contadores de história da literatura mundial, por exemplo. Mas gosto de ler um texto elegante e bem escrito. Percebi que queria isso com Java, uma prosa poética bonita, elegante e nada careta, com personagens rápidos e divertidos. Comecei a revisitar e reescrever os textos com esta linguagem. Então, Cairo Trindade passou uns três meses revisando junto comigo, palavra por palavra, e me provocando para o texto ficar poético. Em determinados momentos, eu percebia que precisava contar uma história e acelerar o ritmo. Daí a mudança, que virou um desafio, manter a linguagem poética e contar histórias jovens.
HL: Em sua novela, encontramos um misto de prosa e poesia muito bem engajado uma na outra, com pinceladas eróticas ao fragmentar a relação do escritor Java Jota com a sua musa Rosa. Sua história como escritor começa na poesia? Como se deu esse encontro com a prosa e o verso?
T.M.: Não. Nenhuma escola sabe ensinar poesia. A poesia de versos torna-se chata e maçante. Bom, a escola brasileira consegue fazer isso com textos maravilhosos como os de Ubaldo e os de José Lins do Rêgo, por exemplo. Mas sempre fui da prosa, tanto quanto escrita quanto leitura. A poesia me apareceu recentemente, no Rio. Mas agora é um grande suporte à minha prosa. Um estudo linguístico talvez, que me ajuda com ritmo e sonoridade do texto. Pesquiso muito ao escrever um poema. Isso me dá conhecimento do idioma. Além de me trazer bons amigos.
H.L.: Qual é a perspectiva que o escritor tem sobre os dois gêneros? O que cada um provoca enquanto leitor e criador?
T.M.: É essa, a poesia me ajuda na peculiaridade de minha prosa, acho intrigante os sons da poesia, o estudo de linguagem e imagem que os bons poetas fazem. A prosa desperta vontade de me desafiar na criação de personagens e histórias. Gosto muito de criar personagem. Como leitor, a prosa me dá essa luz para minhas histórias.
H.L.: Você está fazendo uma pós-graduação em Literatura e Escrita Criativa na Harvard. Pode contar um pouco sobre a sua experiência?
T.M.: É um curso de mestrado da Harvard Extension School. Ainda estou na fase de pré-admissão, o que significa que não estou completamente aceito pela universidade. Fiz uma redação e uma comprovação de fluência em inglês pelo TOEFL (min 100). Agora, preciso provar a eles em 5 matérias que posso manter a qualidade acadêmica que esperam. Além do mais , eles vão avaliar meu projeto de dissertação (uma parte ficção outra referencial teórico) e meu portfólio de criação até então por lá. Preciso manter um mínimo de B nas matérias. Estou com B+, portanto posso continuar. É muito puxado, nunca li tanto tão rápido. Ao mesmo tempo, não tem exigências caretas de academia e sempre te lançam um desafio para pensar literatura e te deixam à vontade para criar e ter seu ponto de vista… claro, muito bem escrito e bem argumentado com evidências do próprio texto literário trabalhado. É divertido, a universidade te ajuda muito com a escrita, ao mesmo tempo, exigente demais. Cursei o primeiro semestre online e já me sinto em casa. Doido pra parte presencial, que só deve começar no final do ano que vem (preciso de bolsa!!!).
H.L.: Em tempos extremistas como o nosso, você acredita no poder da literatura em intervir na forma de pensar e agir do cidadão? Até que ponto a literatura ainda pode ser uma arma poderosa contra a barbárie social?
Sempre. Toda arte sensibiliza e ensina. Toda arte, artifício de comunicação, traz conteúdo e sentimento. A junção dos dois é uma arma poderosíssima de comunicação. Os EUA se tornaram a potência que são e espalharam sua cultura econômica muito graças à arte. Arte e ciência naquele país fizeram um belo casamento. Veja as piadas de The Big Bang Theory (umas das coisas mais sensacionais da TV) e vai ver do que estou falando. Arte ensina, faz pensar, mexe. Desestrutura o ser humano.
H.L.: Como surgiu o apelido Pocket Poeta?
T.M.: Foi num sarau no Glaucio Gil, em Copa. Eu falei meu poema:
Seu pocket poeta
aquele que te penetra
que você carrega
pra todos os lugares
e lares;
Seu poeta de bolso
seu moço, seu anjo
seu músico que toca
guitarra, bateria, baixo
e, até, banjo;
Posso também te deixar louca
te penetrando firme
entre estrofes que denunciam minha estirpe;
Posso gozar você toda
e, com o líquido da vida,
compor dentro e em cima do seu corpo;Posso deixar seu corpo no clima
em qualquer lugar
em qualquer luar
é só me levar
no bolso
seu pocket poeta
aquele que,
todo tempo,
te penetra!
Quem estava neste sarau era o mega poeta Salgado Maranhão. Eu fui cumprimentá-lo, e ele me disse que tinha gostado muito do meu poema. Ele achou a linguagem forte e achou interessante minha forma de falar de sexo. Então, ele disse que eu deveria adotar Pocket Poeta, combinava comigo e mostrava que a linguagem era forte. Eu ganhei um amigo, um apelido (sempre elogiado como ele falou) e uma anedota.
H.L.: E o que escrever representa para o nosso Pocket Poeta?
T.M.: É a única coisa que sei fazer bem e que pode virar um ofício. Prostituição está fora de cogitação.
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Esta entrevista pertence à série Novos Talentos da Literatura Brasileira, que tem como objetivo promover os novos nomes da cena literária nacional, descobrindo, através dos diálogos com esses escritores, seus processos de criação, pontos de vista e anseios relacionados ao ofício literário. Desta forma, possibilita que o público-leitor se mantenha antenado com as novas produções contemporâneas.