
HP Lovecraft e HR Giger são unidos pela escuridão

O artista plástico Hans Rudolf Giger (1940-2014) poderia ter sido o filho que Howard Phillip Lovecraft (1890-1937) não teve. Suas vidas comprovam que são separados por anos e geografias, mas são unidos afetivamente pelo terreno explorado em suas obras; o escritor nasceu e começou a produzir antes, portanto me soa um bom candidato a pai e mentor de Giger.
HP Lovecraft tornou-se referência da ficção de horror em nossa época, pois jogou sementes à escuridão com seus contos dotados de um mundo tão próprio quanto assustador. Às sombras com meras descrições de cenas violentas; a desesperança perante o desconhecido e o peso emanado de suas paisagens oníricas sufocam as ambições de conhecimento da humanidade, ingredientes de suas linhas esculpidas com paciência de artesão.
Sua preocupação em descrever os detalhes dos habitantes de outras dimensões se aproxima da neurose narrativa de hiperrealismo, dependente da colaboração de quem lê para entrar no jogo proposto. No caso de Lovecraft as minúcias colaboram para dar lógica à realidade ficcional de sua prosa, aproximando quem lê do universo narrado, falsamente próximo do nosso.

Enquanto envolve a pessoa na crescente aura obscura de suas linhas, às quais somam-se um quê teatral de solenidade monstruosa e muitas pesquisas do nosso mundo real, da biologia das entidades a um livro supostamente real cujo poder tira o sossego até dos mortos.
Hans Giger, por sua vez, esculpiu seres de matéria. Humanos e máquinas se misturam em suas esculturas e desenhos, cuja genética possui um toque biomecânico do qual a gente não está tão longe quanto gosta de pensar. Essas crias híbridas são acompanhadas por mais outras híbridas de origem incerta, também com um quê dessa biomecânica mas com algo de vermes e substâncias pastosas. O artista também desenhou paisagens oníricas cuja interpretação é tão ampla quanto nosso desconforto, tingidas em tons escuros de propósito, às vezes com projeções que direcionam nossos olhos a um ponto específico e com um tom desolador que compete com aquele das linhas de Lovecraft.
A obra dele não se resume a isso, e fica difícil dizer onde uma cena termina e abre outra janela. É provável que você ou alguém próximo tenha visto uma delas à solta. Se você tem um amigo inclinado às vertentes ditas extremas do Heavy Metal, pode questioná-lo sobre as capas dos álbuns To Mega Therion, do Celtic Frost, Eparistera Daimones e Melana Chasmata, do Triptykon; pedir pra ver o Alien, aquele do filme dirigido por Riddley Scott em 1979, ou só observar certos cenários do filme Prometeus, também desenhados por Giger. Em vez do horror domesticado contido nas páginas de um livro, temos o desconhecido à frente em capas e filmes esperando atenção.
Falecidos, HP Lovecraft e Hans Giger talvez se ocupem jogando cartas no além, usando um baralho forjado com a prole de cada um na frente e um grimório lacrado no verso. Se bem que olhar pra humanidade pode ser mais divertido que os demais entretenimentos além-túmulo, pois eles podem rir da nossas reações aos horrores abertos em nossas cabeças e continuar zelando pelos nossos pesadelos.





