O “Fim” que deu início a Fernanda Torres na literatura

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Fernanda Torres em sessão de autógrafos de “Fim”

A notabilidade de Fernanda Torres como atriz é mais que clara. Já caminhou pelo cinema, televisão e teatro, é reconhecida internacionalmente e, de quebra, é filha de Fernanda Montenegro. O currículo é impressionante, mas a Fernanda escritora ainda está surgindo, e sob alguns olhares de desconfiança, é verdade.

Fim, o romance de estreia da artista, narra os últimos momentos de vida de cinco amigos cariocas: Álvaro, Ciro, Neto, Ribeiro e Sílvio. Com a Cidade Maravilhosa de pano de fundo, cada homem compartilha as angústias e desafios que aparecem na velhice. Doença, remédios e solidão começam a contrastar com a devassidão vivida pelos mesmos personagens há alguns anos atrás. As noitadas promovidas por Ribeiro regadas a mulheres, álcool e drogas somem e a legitimidade das relações travadas entre o grupo entra em questão, conforme a decadência pessoal consolida-se em suas vidas.

A narrativa nasceu de um pedido do diretor Fernando Meirelles, que pretendia publicar um livro contendo uma coletânea de contos que posteriormente seriam adaptados para a televisão e exibidos pela Rede Globo. Apesar do projeto não ter vingado, Fernanda continuou sua história a partir do conto já escrito sobre Álvaro, a personagem que inaugura a obra.

Por trás de toda melancolia de Fim, há o humor discreto que Fernanda põe nas situações vividas pelos protagonistas. Impossível controlar o riso de canto de boca ao ler a rotineira constatação dos amigos ao fato de Álvaro ser brocha. Há uma leveza inerente a cada situação exposta nas palavras da autora, o que torna a leitura agradabilíssima e fluida. Outro ponto que merece ser destacado é a exatidão alcançada pela escritora ao mergulhar em personagens de faixa etária e sexo tão diferentes do seu. Fernanda desvendou o descontrole sexual masculino, a incerteza sobre o casamento e a passividade geral quando o assunto é a morte.

Os trechos em terceira pessoa possuem a impessoalidade necessária para a completa compreensão da situação. É possível conhecer as personagens que são tratadas nesse distanciamento, mas há a preservação do mistério que habita cada um de nossos corpos e que não pode ser lido por um narrador observador. Por outro lado, os momentos em que Fernanda incorpora cada homem acompanhado pelo leitor há o desnudamento completo das personagens. Sem censuras na fala, preocupações com as regras sociais e muito menos com os outros personagens em cena, assim como tendemos a raciocinar dentro de nossas próprias cabeças. A vulnerabilidade dos cinco homens viris da Zona Sul carioca aparece nos momentos exatos e com bastante precisão. Não há lamentações. As personagens se conformam com a atual realidade e entendem que tudo aquilo é fruto de suas ações.

A amarração da história é fina. A transição entre a descrição da vida e morte de cada personagem é feita a partir das identificações e problemáticas que existem dentro do grupo e que, muitas vezes, não são observadas pelos protagonistas. Fica claro que não estamos mais no capítulo anterior se observarmos bem o estilo de escrita de Fernanda, que brilhantemente modificou a roupagem das ideias e palavras a fim de consolidar para o leitor as diferenças existentes entre cada personagem.

“A morte nada tem de natural. Faltava a revolta, o desamparo, o luto de antigamente. Faltava o morrer de amor.” (pg. 110)

fimUm belo início para a autora que decidiu estrear com o Fim. A sensibilidade de contadora de histórias é ajudada pela bagagem da Fernanda atriz. A facilidade de compor cenários, pessoas e tempos é uma dádiva que, estando em meio à dramaturgia, é tranquilamente observada. A fineza da atriz e a dureza da escritora entram em combate e produzem o grande acontecimento que é o livro em questão.

Fim
Fernanda Torres
Companhia das Letras
2013
208 páginas

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