O inferno escrito por Patrícia Melo

0

O Inferno, de Patrícia Melo: do tráfico de drogas, criminalidade, violência, gravidez indesejada, traição até a crença em Deus

patricia-melo

 

O Inferno, romance da escritora Patrícia Melo, não é uma descrição daquele inferno que dizem que vamos ir se não nos comportarmos bem ao longo da vida. Ao contrário, trata-se de um inferno vivido em terra mesmo, protagonizado por Reizinho, ou José Luis, seu verdadeiro nome. Nada se parece com o inferno do livro A divina comédia, de Dante Alighieri, nem com o Inferno, de Dan Brown.

Neste romance, a escritora paulistana dá voz aos que são marginalizados. Ele se passa em favelas do Rio de Janeiro, como Berimbau e Morro dos Marrecos, e narra a história de Reizinho, um garoto que começou a trabalhar no tráfico de drogas com apenas onze anos de idade, chegando a ser líder do tráfico no morro em que mora.

A narrativa surpreende seus leitores do início ao fim, em cada linha há um pouco de tensão e são poucas as vezes em que conseguimos prever o que irá acontecer. A única coisa que fica evidente para nós, leitores, é que Reizinho não terá como desmanchar sua história de vida, voltar atrás de tudo que fez. A linguagem é simples e corre de forma ágil e intensa.

Como dito anteriormente, José Luís se envolve com o tráfico bem jovem, aos onze anos; sua tarefa, inicialmente, era observar as movimentações da comunidade e avisar ao bando de Miltão, chefe do morro, sobre qualquer aproximação estranha, seja de indivíduos desconhecidos ou da polícia. Vivia em alerta e observando todo e qualquer detalhe de tudo, o que o ajudou a crescer no tráfico e, sobretudo, a sobreviver em meio ao caos que permeia o mundo das drogas e dos crimes.

Ao narrar a vida de Reizinho, o narrador nos diz os detalhes da vida pobre na favela, o que é cotidiano: os sonhos da infância; a gravidez indesejada na adolescência; os tiroteios entre traficantes rivais e com a própria polícia; a prostituição; a patroa rica que maltrata a empregada; a traição ocorrida em relacionamentos amorosos, assim como entre amigos e nos negócios do tráfico; a corrupção que permeia o mundo do comércio ilegal de drogas, bem como as “facilidades” dadas pela polícia em troca de dinheiro. O romance, portanto, transita entre histórias de amor, ódio, família, trabalho, tráfico de drogas, crime e poder. A autora parece não ter se esquecido de nenhum detalhe importante para a verossimilhança da história.

O protagonista não chegou ao posto de líder do morro e tráfico de maneira fácil e simplista, e isto está ao longo de todo o romance detalhadamente explicado. Cada contato feito por Zé Luís é narrado de forma minuciosa, cada um de seus planos, cálculos, pensamentos e aprendizagem.

infernopatriciamelo
Inferno (Companhia das Letras)

Patrícia Melo dá voz às minorias no romance Inferno. Minorias no sentido de aqueles personagens que não costumam aparecer muitas vezes na literatura brasileira, tais como: os traficantes e todos aqueles que têm algum envolvimento com o tráfico, bem como seus familiares; as empregadas domésticas que sofrem para criar seus filhos; as adolescentes e a gravidez indesejada; até mesmo as pessoas que dão vida ao carnaval. A autora dá voz, sobretudo, aos envolvidos com o tráfico e à mãe de Reizinho, dona Alzira, uma doméstica que sofre durante toda a sua vida. Ela sofre para dar pelo menos o básico para os filhos. Sofre ao ver o filho José Luís envolvido com o tráfico, com as drogas e com o álcool; com cada gravidez de sua filha, Carolaine, que teve três filhos, um de cada pai – sendo um deles de um pastor –, ela que era sua única esperança, pois Alzira pagava curso de computação para a menina, sonhava em vê-la em um bom emprego; sofre ao perceber que o filho tanto amava o pai, homem que abandonou a todos da família, entregou-se ao alcoolismo e às ruas do Rio de Janeiro; sofre com os maus tratos de sua patroa, que, além de gritar o tempo todo, ainda a humilhava, parando apenas quando soube que Alzira sabia de seu caso com o personal trainer; sofre tanto que busca a solução em Deus, tudo para ela seria resolvido por Deus e acreditava que tudo que aconteceu de ruim é porque Ele quis assim, era necessário, entregava-se aos cultos e dizia que o mal existia porque o demônio entrava no corpo das pessoas, inclusive no corpo de seu filho, um dos maiores chefes do tráfico que já existiu.

Na literatura brasileira, a temática abordada por Patrícia Melo e os personagens por ela criados nesse romance, e em seus outros, muito se aproximam do universo Fonsequiano, embora a escritora triunfe estilo próprio em sua escrita para falar sobre aqueles que estão à margem, não só na literatura como na vida real, na sociedade em que vivemos.

Infelizmente, são poucos os escritores como Patrícia Melo e Rubem Fonseca que desnudam o que, muitas vezes, é escondido pela mídia de maneira geral.  A violência explícita, o mundo das drogas e a criminalidade nem sempre permeiam a literatura nacional, costumam ser descartadas. Sem falar nos escritores que até escrevem sobre tais assuntos, mas que não têm visibilidade no cenário da literatura e não são publicados por grandes editoras.

Não há posts para exibir