Tem spoiler. Mas é quase nenhum.
Um escritor covarde que queria ser herói. Uma burguesa fútil (como todas as burguesas que se prezam) que assassinou o rebento que tivera com o amante, para manter o casamento com um homem mais velho, que lhe proporcionava conforto e segurança. Uma funcionária dos Correios, agressiva, homossexual e sádica, que se culpa pela morte da companheira. Garcin, Estelle e Inês, respectivamente. São os personagens da peça Huis Clos (Entre Quatro Paredes), de Jean-Paul Satre, encenada pela primeira vez em maio de 1944, no Théâtre DU Viex Colombier.
Mortos, os três vão parar no Inferno – um quarto fechado, sem espelhos, onde estão obrigados a se veem através dos olhos dos outros. O confinamento faz com que a convivência entre eles se torne insuportável. Garcin não dá sossego a Inês; Inês não deixa Estelle em paz, que por sua vez pentelha Garcin. Todos tentam dissimular suas falhas, mas elas acabando vindo à tona. Lá pelas tantas, depois de ruminarem bastante, os três chegam à conclusão formulada por Garcin: “O inferno são os outros”… Cai o pano e as máscaras também.
A ideia de lembrar Sartre, o pai do existencialismo, me ocorreu por causa dos protestos pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “O inferno são os outros” (no caso somente o PT, para o pessoal do panelaço) serve direitinho como carapuça para o demagógico e seletivo discurso anticorrupção, que não nos levará a lugar algum. Não acham curioso que embora o ato tenha sido “espontâneo e apartidário” (a maior adesão foi justamente em São Paulo, reduto político do PSDB), segundo os organizadores, a demonização seja apenas de um único partido, como se houvesse um salvo-conduto aos demais?
Eu não peço clemência para o PT – todas as pessoas comprovadamente envolvidas em atos criminosos devem ser punidas exemplarmente. Porém, não creio ser possível negar o óbvio ululante, como diria o Nelsão. É leviano indignar-se sem isonomia (Aos amigos tudo! Aos inimigos, a lei!). Serei mais explícito: indignam-se com razão contra o Mensalão, o do PT, e pelo desvio de dinheiro público na Petrobras, mas a vista engrossa para os escândalos no metrô de São Paulo ou para compra da emenda da reeleição pelo governo FHC, por exemplo. Assim não dá, assim não pode. Afinal, todos os corruptos devem ir à bancarrota.
Se a postura não mudar, o inferno será sempre os outros, mas o país continuará o mesmo. Como apregoa a filosofia existencialista do Sartre, as escolhas definem quem somos. E aí, qual vai ser?
Post-scriptum – Antes que digam: não sou contra os protestos, só creio que a razão deveria ser mais levada em conta. Por exemplo, pedir intervenção militar é aberrante e em vez de se clamar o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quando não há base jurídica para o uso desse dispositivo Constitucional, deveriam se canalizar as forças pelo fim da corrupção, seja de quem for, e pela reforma política. Não gostar do resultado de uma eleição é uma coisa; desrespeitá-lo, é outra.