Assim como outros romances, O jovem Törless trata do amadurecimento de jovens personagens
O Jovem Törless (Die Verwirrugen des Zöglings Törless) é o primeiro livro do austríaco Robert Musil (1880-1942). Publicado em 1906, insere-se no campo daqueles que são comumente definidos como romances de formação ou de aprendizagem. Dentro dessa classificação, cabem obras bastantes distintas, cujas dissemelhanças – às vezes – são mais fáceis de se demonstrar que as similitudes. Vemos sob esse rótulo tanto Retrato do Artista quando Jovem (do irlandês James Joyce) quanto A Idade da Razão (do francês Jean-Paul Sartre), mas também há quem inclua: Dom Casmurro (de Machado de Assis), Crime e Castigo (Fiódor Dostoiévski), São Bernardo (Graciliano Ramos), A Consciência de Zeno (Ítalo Svevo), Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa) etc. A característica principal desse tipo de romance seria apresentar um protagonista em jornada rumo à maturidade, buscando crescimento espiritual, moral e intelectual, ampliando substancialmente seu entendimento do mundo.
No livro que abordamos especificamente aqui, o que se narra é a experiência do adolescente Törless num internato militar do Império Autro-Húngaro no iniciozinho do século 20. Confinados, os jovens cadetes se defrontam com as descobertas da adolescência. Os hormônios afloram e trazem novos anseios. As urgências surgem não apenas dentro do campo sexual, mas também nas áreas intelectivas e morais. Onde buscar as respostas, ou alívios, para tantos clamores internos, vindos das esferas da sensualidade florescente e do pensamento próprio que vai nascendo como uma despedida da infância?
A sexualidade só tem campo para se exercer com alguma prostituta nas imediações do colégio ou entre os próprios alunos. E assim se dá, precariamente, em meio a estranhamento, perplexidade, sadismo, submissão, ódio e – talvez – masoquismo também.
O livro pode ser lido como um prenúncio das atrocidades que viriam a se exercer durante a Primeira Guerra Mundial, sendo o internato um microcosmo da sociedade autoritária que viria a deflagrar aquele conflito. Essa representação do internato como microcosmo do mundo político, porém, não é o mais explorado no livro, ao contrário do que se pode dizer do excelente romance de Raúl Pompeia O Ateneu (1888), onde o universo político assume papel principal. Apesar de ambos os romances se ambientarem em internatos opressores, em O Jovem Törless o mais relevante são os aspectos psicológicos, internos.
O romance de Musil nitidamente ressalta fenômenos interiores, sendo os pensamentos de Törless mais importantes que os fatos que o circundam, o que faz com que a obra se assemelhe à produção da escritora Clarice Lispector, sobretudo quando se refere a estranhezas em relação à linguagem, que não estaria apta a dar conta da complexidade do mundo. Não por acaso, o romance de Musil tem como epígrafe um trecho de Maurice Maeterlinck que se inicia com a frase: “Tão logo expressamos uma coisa com palavras, e estranhamente ela como que se desvaloriza”.
Para amarrar e dar uma forma literária ao texto, onde afloram questionamentos e cogitações filosóficas, inserem-se acontecimentos bastante desconcertantes, que geram tensão no leitor acerca do destino de Törless. Cercado pelos sádicos alunos Beineberg e Reiting, que flagelavam o fracote Basini, não poderia também Törless se tornar uma vítima dos mesmos suplícios? Ou acabaria se tornando também um opressor?
O que é a opressão? O que é a vitória e a derrota? O bem ou o mal? De algo ruim, ou falso, pode-se alcançar a verdade?
Törless se vê incomodado durante as aulas de Matemática justamente quando se abordam questões relacionadas aos números imaginários. Os números naturais são facilmente inteligíveis por qualquer pessoa. Correspondem a quantidades de coisas no mundo real. Os números negativos já trazem em si certo grau de abstração, mas se pode entendê-los quando se pensa numa dívida, por exemplo, um saldo negativo no banco ou algo assim. De maneira similar se dá com os números fracionários (vem à nossa mente um pedaço de algo).
Mas que dizer da raiz quadrada de um número negativo, por exemplo? Não existe número que multiplicado por si mesmo tenha resultado negativo. Lembrando: a raiz quadrada de nove é três, porque três vezes três é igual a nove. Mas e a raiz quadrada de menos nove? Não existiria, pois não há número que multiplicado por si mesmo dê um número negativo qualquer. Quando se multiplicam dois negativos, o resultado é positivo – na escola até costumavam repetir que “menos com menos dá mais”, lembram?
Mas o fato é que a Matemática opera normalmente com raízes quadradas de negativos e, no fim de todos os cálculos, elas acabam se anulando mutuamente e chegando a um resultado concreto. É como se alguém lançasse uma ponte inexistente sobre um imenso despenhadeiro e, através dessa ponte imaginária, fosse possível atravessar e chegar ao outro lado, seguro, sobre um terreno “real”.
Seria a mentira servindo à verdade? O erro levando ao acerto?A dor conduziria ao prazer? O ódio, ao amor sensual? Dá mesmo o que pensar. As questões que Robert Musil levanta nesse romance de formação não são apenas dúvidas de jovens na construção de suas subjetividades, mas investigações psicológicas e filosóficas para todas as idades e todas as épocas.