O leitor assume o papel do detetive em “E não sobrou nenhum”

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Nesse romance policial sem detetive, quem investiga é o leitor

Agatha Christie querendo saber quem é o detetive
Agatha Christie querendo saber quem é o detetive

E não sobrou nenhum, de Agatha Christie, é tido como o romance policial mais vendido da história. Publicado pela primeira vez em 1939, teve mais de 100 milhões de cópias vendidas ao redor do mundo. Seu título original foi Ten Little Niggers (no Brasil, O caso dos dez negrinhos). Ele voltou a ser muito comentado no início desse ano em resenhas sobre o filme Os Oito Odiados, de Quentin Tarantino, por conta de sua aproximação com a história do romance. A Globo Livros fez uma edição renovada, com capa que tem um pé nas clássicas revistas pulp de terror e mistério. A tradução do texto ficou por conta de Renato Marques de Oliveira.

Dez pessoas que não se conhecem são levadas, por motivos diversos, a uma mansão situada numa ilha particular. A única semelhança que possuem é o fato de ocultarem terríveis segredos ocorridos no passado. Logo, eles descobrem que há algo estranho: apesar de estarem munidos com uma dispensa cheia de alimentos, todos os meios de comunicação com o mundo exterior estão cortados. Das maneiras mais estapafúrdias, começam a ser eliminados um a um. Mas, se elas são as únicas pessoas na ilha, quem é o assassino?

Em minha resenha sobre Uma janela em Copacabana, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, aqui no Homo Literatus, mencionei o leitor que assume o papel do detetive, figura elaborada pelo historiador italiano Carlo Ginzburg e destacada por Antoine Compagnon no livro O demônio da teoria: o leitor, quando se põe diante duma obra de ficção, assume essa função, um caçador à procura de indícios que lhe permitirão dar sentido à história. O signo da ficção é aproximado ao da pegada deixada pelo animal, a arte do caçador que decifra a Enaosobrounenhumnarrativa da passagem dum espécime pelas pegadas deixadas por ele. Esse reconhecimento conduz a uma identificação baseada em indícios tênues e marginais.

É justamente o leitor que se faz investigador nesse romance policial sem detetive. Há capítulos dedicados à apresentação das personagens, com descrições psicológicas, mas nada que possa indicar quem é o assassino. Esse animal feroz deixa suas variadas marcas – morte por envenenamento, tiro na cabeça, esmagamento craniano -, mas se embrenha numa mata densa, de difícil acesso, despistando o caçador. Agatha Christie joga pistas falsas, leva-nos por caminhos que se revelam sem saída, culminando num gran finale genial. A cena do último assassinato certamente deve ter influenciado Tarantino no desfecho gore do seu Os Oito Odiados.

Os leitores mais experientes talvez já estejam cansados de ouvir falar do nome de Agatha Christie. Mas não custa apresentá-la aos mais novos, que provavelmente devem receber indicações a seu respeito quando pedem conselhos de quais livros devem escolher para adquirir o hábito da leitura. Nascida na Inglaterra no ano de 1890, assinou vasta produção literária, que inclui romances, contos e peças teatrais. O gênero no qual obteve maior destaque foi o policial, fato que lhe rendeu o apelido de a “Dama do Crime”. A autora morreu em 1976, aos 85 anos.

A esses leitores iniciantes, fica a recomendação urgente de leitura. Aos calejados, a sugestão duma prazerosa releitura.

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