O Leitor do trem das 6h27 mostra a delicada relação entre livros e a solidão

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Leitor do trem das 6h27 tem uma linha muito tênue entre o real e abstrato, e leva o leitor pela mão

Jean Paul Didierlaurent, autor de Leitor do trem das 6h27
Jean Paul Didierlaurent

Eu sou minhas histórias”. A frase do tcheco Franz Kafka (1883 – 1924) em uma carta para sua noiva Felice pode ser o resumo da relação de todo escritor com a sua literatura e também com outros autores. Clarice Lispector (1920 – 1977), em seu conto Felicidade clandestina, remonta a emoção de se ter um livro nas mãos e a sensação que a leitura traz. O argentino Jorge Luis Borges (1899 – 1986) usou inúmeras vezes a sua experiência como leitor para criar seus próprios contos.

O escritor francês Jean-Paul Didierlaurent parece ter entendido o recado ao escrever O Leitor do trem das 6h27 (Intrínseca, 176 págs., R$ 34,90), que acaba de ser lançado no Brasil. Guylain Vignolles é um homem agonizante que, apesar de amar os livros, ironicamente trabalha em uma usina encarregada de destruir as obras encalhadas nas livrarias. Seus únicos amigos são um amputado das pernas, um vigia que fala apenas declamando versos alexandrinos e o peixinho dourado que vive em um aquário – e funciona também como seu confidente. Todos os dias ele salva algumas páginas dos livros que seriam devorados por uma monstruosa máquina chamada de Coisa e as lê no trem na volta para casa.

A vida pífia e discreta de Vignolles, uma espécie de Amelie Poulain de calças, muda quando encontra alguns textos dentro de um pen drive no trem das 6h27. Os arquivos Leitor do trem das 6h27 Homo Literatussão o diário eletrônico de uma moça chamada Julie, que é zeladora nos banheiros de um shopping. Ao ler os relatos Guylain Vignolles se apaixona por ela – mesmo não tendo ideia de quem é essa mulher tão misteriosa e angustiada. A partir daí, ele e os amigos passam a procurar por Julie nos sanitários da cidade.

O Leitor do trem das 6h27 te leva pela mão

Didierlaurent cria uma carpintaria amorosa e literária em seu primeiro romance – ao melhor modo de Haruki Murakami, mas em vez dos debates filosóficos sobre a existência e o nosso lugar no mundo, o francês estabelece uma relação de bom humor e ironia. Ao tentar encontrar Julie, na realidade, Vignolles busca um sentido para si mesmo.

Em O Leitor do trem das 6h27 existe uma linha muito tênue entre o real e abstrato e que percorre todo o livro, levando o leitor pela mão. Didierlaurent escreve sem medo de ser piegas, traçando um caminho tortuoso até o nirvana de seus personagens. Ainda que Guylain Vignolles busque Julie como quem espera Godot, a desconhecida é a sua salvação, a única saída para tirá-lo de sua própria danação.

O livro carrega um quê de esperança, a mesma esperança que todos têm e, por isso, a identificação com Vignolles é tão fácil e imediata.

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