O narcisismo de Dorian Gray

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Dias atrás ouvi uma música do cantor britânico James Blunt chamada Tears and rain – a letra é simplesmente mágica. Ela faz menção a uma grande obra da literatura: O retrato de Dorian Gray, escrita por Oscar Wilde em 1891.

Eu li o livro em 2010 e ainda me lembro de cada parte dessa história marcante. Deixando as orgias de lado, a mensagem contida nas entrelinhas faz com que eu o recomende até mesmo para a minha avó.

Estamos na Inglaterra, século 19, quando o jovem e belo Dorian Gray vê a si mesmo na tela que foi considerada a melhor obra do pintor Basil Hallward e fica realmente encantado. Lorde Henry Wotton, também encantado com a obra e especialmente com o jovem, passa a lhe soprar pensamentos de origem hedonista (hedonismo: doutrina que busca o prazer acima de tudo), até o momento em que Dorian conclui:

– Eu ficarei velho, aniquilado, hediondo!… Esta pintura continuará sempre fresca. Nunca será vista mais velha do que hoje, neste dia de junho… Ah! se fosse possível mudar os destinos; se fosse eu quem devesse conservar-me novo e se essa pintura pudesse envelhecer! Por isto eu daria tudo!… Nada há no mundo que eu não desse… Até minha alma!…

Naquele instante, a sentença havia sido decretada.

Dorian e Lorde Henry se tornam bons amigos e o mais velho toma o papel de mentor, mostrando a Dorian os muitos prazeres que a vida poderia oferecer. Os anos se passaram e o quadro apodrecia (literalmente) na mesma proporção em que a alma de Dorian se corrompia com seus pecados. Ele, porém, continuava sempre jovem e belo.

A obsessão de Dorian por seu retrato nos remete ao mito de Narciso. Alguns estudiosos já haviam se utilizado desse episódio mitológico para explicar a devoção do ser humano por si mesmo, mas foi Freud quem realizou um estudo mais aprofundado – unindo a mitologia com a psicanálise – e nos apresentando o que hoje conhecemos por narcisismo.

O mito de Narciso e Eco

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Eco era uma bela ninfa do campo que tinha um pequeno (ou grande) defeito: falar demais. Quando, certa vez, Hera foi atrás do infiel marido, Eco “passou a conversa” na deusa, dando oportunidade para que as amantes de Zeus fugissem. Percebendo isso, Hera condenou a ninfa, dando-lhe o castigo de não mais falar – apenas repetir as últimas palavras que ouvisse (aí está a origem do eco – a repetição dos sons).

Narciso, por outro lado, era também um homem muito bonito. Quando Eco o viu nas montanhas, apaixonou-se por ele, mas não podia dirigir-lhe a palavra devido ao castigo de Hera. Narciso e Eco se encontraram, e assim, ela não conseguiu dizer a ele o que sentia. Narciso acaba rejeitando-a, bem como a outras ninfas apaixonadas. Dessa vez, quem receberia um castigo era ele, que foi condenado a jamais ser correspondido no amor.

Após a caça, Narciso resolveu descansar à margem do rio e beber um pouco da água cristalina, quando deparou-se com seu reflexo. Imediatamente, ficou louco pela imagem que tinha estampada diante de seus olhos – mas obviamente, esse amor não foi correspondido; qualquer movimento fazia as águas se turvarem e a imagem desaparecer. O mito nos conta que Narciso se lançou nas águas em busca desse amor e morreu afogado; outras versões sugerem que ele tenha definhado admirando sua imagem no rio.

O narcisimo de Dorian Gray

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Dessa maneira, uma pessoa narcisista é aquela que ama sua própria imagem. Veja bem, para que fique claro: ela não ama a si mesma – ama a sua imagem. Dorian negou-se o amor da jovem atriz Sibyl Vane e acabou por trair a amizade do pintor Basil Hallward – o que nos mostra até que ponto um narcisista chega em busca da exaltação de sua beleza.

Em seu artigo intitulado Dorian Gray: um retrato do narcisismo sob a ótica de Alexander Lowen, Sérgio Luis Soares Mariani afirma que “o narcisista, a exemplo de Dorian Gray, costuma trocar o amor pela imagem, suas mais intensas sensações por fama e poder. E como Dorian Gray, o narcisista costuma agir como uma espécie de espectador de si mesmo, mas geralmente não se dá conta disso.”

Como “espectador de si mesmo”, Dorian entregou sua vida à depravação total e assim, corrompeu sua alma – o que refletiu em seu retrato. Pergunto: até onde compensa trocar o certo pelo temporário? Será que vale a pena abrir mão de algo que você lutou tanto tempo para construir por alguns momentos de prazer?

Um breve olhar sobre a vida de Wilde

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Há quem diga que O Retrato de Dorian Gray tenha sido uma espécie de prelúdio da vida de Wilde. Nascido em 16 de outubro de 1854, em Dublin, Irlanda, Oscar foi o segundo dentre os três filhos de um médico e uma linguista. Estudou em escolas renomadas como Portora Royal School, Trinity College, e Magdalen College – sempre ganhando bolsas devido ao seu destaque no estudo dos clássicos (latim e poesia helenista). Ainda em Oxford ganhou um prêmio por seu poema Ravenna, e quando publicou sua primeira coletânea recebeu várias críticas que contribuíram para sua carreira.

Oscar casou-se com a filha de um advogado rico e teve dois filhos. Trabalhou como editor de uma revista para sustentar a família e passou pelos seis anos mais criativos de sua carreira, produzindo peças de teatro, histórias infantis e O Retrato de Dorian Gray – seu único romance.

Em 1891 Oscar conheceu Lorde Alfred Douglas, Bosie, que era admirador do Retrato de Dorian Gray. Logo eles se tornaram amantes e eram realmente inseparáveis. Aquele tipo de relacionamento era escandaloso na época e assim, o pai de Bosie, John Douglas (9.° Marquês de Queensberry), levou Oscar a três julgamentos, e o escritor acabou condenado a dois anos de prisão com trabalhos forçados. Os livros de Oscar desapareceram das livrarias, suas peças saíram de cartaz, ele perdeu a tutela dos filhos e teve seus bens leiloados para pagar as custas do processo. [Leia aqui: A prova que condenou Oscar Wilde por ser homossexual]

Ele escreveu ainda a Balada do Cárcere de Reading, uma espécie de carta que retratava o sofrimento que vivenciou na prisão, mas infelizmente, não teve mais criatividade (ou vontade) para escrever e passou seus últimos anos vivendo em hotéis baratos.

Moral ou imoral?

A história de Dorian Gray foi originalmente publicada na revista Lippincott’s e sofreu vários cortes por parte dos editores de diálogos e ações que sugeriam relações homoafetivas. “Um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo.” – foi a resposta de Wilde para as críticas que sua obra recebeu na época.

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