O que deu pra fazer em matéria de história de amor, de Elvira Vigna

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Abaixo, o que deu pra fazer em matéria de resenha.

Elvira_Vigna

Em 2012, participei do 2º Festival Nacional do Conto, em Jaraguá do Sul. Desconhecida na época, para mim, e, provavelmente, tão somente para mim, Elvira Vigna proferiu a plenária de abertura do Festival, falando sobre A Impossibilidade da Arte.  Através de um diálogo com o pintor francês Edgar Degas (1834-1917), Elvira expandiu perante a plateia uma definição próprio sobre o conto: “Imaginar Degas, um obsessivo por limpeza, misógino, dentro de uma sala escura: isso é um conto”. Depois disso, ao ser questionada sobre o romance, declarou: “O grande contista sabe que vai fracassar, e para no caminho. O romancista quer colocar um antes e um depois, que nem eu, e acaba com um livro maior” (o texto da palestra está disponível n’O Globo).

Se não fosse esse dia, talvez não teria lido nada de Elvira Vigna; e estaria perdendo. Não teria lido o primeiro livro que li dela, Coisas que os homens não entendem. Sabe o que seria pior? Não teria achado uma prosa que simulasse o descaso que tantas vezes me acomete. E é isso, começo dizendo que O que deu pra fazer em matéria de história de amor é um romance sobre o descaso, embora seja extremamente indelicado de minha parte objetivá-lo desta forma. Na página 32, a narradora do romance afirma: “Não gosto dos pensamentos redondinhos, explicações para sombras que melhor seriam se inexplicáveis. Pensamentos assim bonitinhos que às vezes me caem no crânio qual machado. Ou flecha”. Então, vamos com calma.

15770467A narradora começa esperando Roger num bar. Ele não vem. Então ela passa a contar a si mesma, como gosta, a história de Roger, que na verdade é a história de Arno e Rose, os pais de seu sócio, amante, ou alguma coisa entre uma e outra. O enfoque inicial é em Rose, nos dias de pôquer, os quais foram frequentados pela narradora, no final. Fala da mãe de Roger na sala do apartamento, tomando sol, nua; enquanto o marido passava seus dias na oficina, trabalhando em peças de arte. Há também a interferência de Guenther, irmão mais velho de Arno, que vem nos dias de pôquer, e depois numa visita que ia afetar o futuro de todos.

Ao desenvolver a narrativa, não linearmente, a história vem sendo contada, intercalando a vida da narradora, seu estranho relacionamento com Roger; e o casamento entre Rose e Arno. A narradora admite que talvez não seja exatamente precisa no que diz, mas continua. O não se importar dela faz com que se torne convidativa a sequência da história. Na página 14, isto fica evidente.

“Me escudo em uma vantagem, ao contar. Histórias são recebidas, hoje, sempre com um meio ouvido. Todos meio ouvintes que, mal se iniciam na narrativa, já pensam em outra coisa. Claro, vontade sim, eles têm, de umas pequenas férias da vida lá deles. Umas pequenas férias de si mesmo, quem não quer? Mas entram (entramos) sem acreditar muito em nada. Tentam (tentamos) uma meia entrada com nossa atenção a meio pau em uma seminarrativa sobre o quê, mesmo? Ah, sim, vidas alheias que talvez sejam nossas. Fazem isso (fazemos) para tentar recuperar, à distância e sem grandes esforços, a vida. A nossa. Mas sem acreditar muito que vá de fato funcionar. Eu sei. É igual para mim. Mesmo em se tratando de vidas – estas, as contadas – com certificado de simplicidade, pois se são contadas. Apresentadas frase após frase, elas ficam, as vidas, se não lineares, pelo menos sequenciais. Necessariamente mais simples que as que de fato temos. Mesmo esta aqui. Nem um pouco simples. E que é a que de fato tenho, mesmo quando, o dia cheio, não a conto, nem para mim”.

O trecho acima elucida o estilo de Elvira, de frases curtas pontuadas de forma atípica. A princípio pode assustar a quem não está acostumado, até mesmo reduzir o ritmo de leitura, mas depois se torna muito agradável, como se cada vírgula, e principalmente elas, não pudessem estar em outro lugar.

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“E é isso.
Uma história de amor, com um fecho de ouro à altura do palco monogâmico de um balé de cisnes brancos. Um morre, o outro morre em seguida, incapaz de conceber a vida sem seu par de todo sempre. É uma história. Apesar de os cisnes serem, eu vi, garças. E o palco, um valão”. (pg. 143).

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Para encerrar, volto às Bailarinas de Degas, citadas na palestra de Elvira, no Festival; também citadas neste livro, na pg. 164; volto à sua definição do romance, uma teimosia. E é assim. O que deu pra fazer em matéria de história de amor é uma sequência de fatos narrados e renarrados em busca de um fim, de um começo, que não chega, ou talvez chegue, depende de quem lê.

Portanto, leia.

O que deu pra fazer em matéria de história de amor/ Elvira Vigna – 1ª Ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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