Uma breve análise do que Tarantino aprendeu com a Literatura e usou em seus roteiros
É um fato inegável para uma larga maioria: Quentin Tarantino é um dos maiores diretores dos últimos vinte anos. Dos takes de dentro do porta-malas às viradas surpreendentes, ele conseguiu construir uma filmografia invejável. Outro ponto relevante do diretor são os roteiros produzidos por ele mesmo. Cheio de diálogos longos e bem estruturados e com viradas surpreendentes nas suas tramas, eles prendem o espectador do começo ao fim do filme, sem nunca cair no óbvio.
Mas como Tarantino consegue isso?
O fato é que, além de ser um cinéfilo e conhecedor do cinema, ele conhece profundamente a literatura. Tarantino usa técnicas narrativas alinhadas à literatura, fazendo com que o cinema se aproxime da narrativa escrita como nos seus primórdios. Mesmo quando adaptou uma obra literária como Jack Brown, uma adaptação do romance Rum Punch, de Elmore Leonard (não por acaso, Tarantino prestou homenagem ao autor em 2013, ano da sua morte), o diretor mostrava seu conhecimento literário, dos clássicos aos contemporâneos.
De fato, ao vermos a filmografia dele, podemos notar pelo menos três lições importantes que Tarantino aprendeu com a literatura e introjetou nos seus roteiros:
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Diálogos
Há quem o chame de rei do diálogo. Ágeis, engraçados, longos e recheados de piadas, os diálogos são um dos pontos altos de seu roteiro. Quem vê Cães de Aluguel, primeiro longa de Tarantino, é surpreendido com uma discussão entre mafiosos, na qual Mr. Brown, interpretado pelo próprio, desenvolve sua teoria sobre o sentido de Like a virgin, clássico de Madonna (veja a cena aqui). Sem perder tempo com superficialidades, seus personagens falam como se fossem pessoas reais – mesmo quando fazem monólogos infindáveis como Jules Winnfield em Pulp Fiction. Fica claro que ele leu e captou a mensagem de autores como Hemingway, entre outros, cujos personagens falam o que tem de falar, quando tem de falar e como devem falar. Os silêncios também se fazem importantes, pois é por meio dele que muitos dos personagens dizem o que devem dizer, seguindo a fórmula cada vez mais usada por autores de contos e romances a partir do século XX.
Para saber o que ele pensa sobre o assunto, veja esse vídeo.
Capítulos
Não é usual vermos filmes (mesmo no começo, quando ele ainda era muito ligado à literatura) com pausas ou divisões claras como capítulos. Em dois de suas maiores realizações, Pulp Fiction e Kill Bill, ele divide o todo em seguimentos menos iguais a capítulos de livros, nomeando-os da mesma forma que romancistas. Esse uso aponta para a preocupação dele com a trama e com o desejo que o espectador, bem como o leitor, atente àquele trecho específico como uma parte do conjunto. Esse tipo de prática cria uma atmosfera diferente daquela que normalmente o público está acostumado a seguir, uma vez que desconstrói com o costume de se seguir uma história corrida, bem como abre a possibilidade para que o público pense sobre o que acabou de ver: por que esse sequência aconteceu? o que ela tem que a liga às outras?
Enredos não-lineares
Nada mais marca o aprendizado e a revolução feita por Tarantino que seus enredos não-lineares. Altamente influenciado pela literatura feita após 1950, na qual muitos autores abandonaram, mesmo no conto, a necessidade de contar história de forma linear, ele cria um efeito especial, por vezes único, em seus filmes. Em Pulp Fiction, filme que lançou o diretor ao estrelato e lhe rendeu um Oscar de melhor roteiro, esse é o ponto central do filme e o que chocou tantos espectadores na época. A morte de Vincent Vega, interpretado por John Travolta, no meio do filme chocou muita gente, afinal boa parte o considerava o personagem central da história. O fato de ele ressurgir alguns minutos a seguir confundiu muito mais o público em geral.
Dessa forma, Tarantino mostra o controle excepcional que tem da narrativa e de como conduzi-la de forma a criar o suspense e, principalmente, o estranhamento.