Raduan Nassar, que não publica nada de novo desde os anos noventa, é laureado com o Prêmio Camões
O Prêmio Camões é a premiação máxima das literaturas em língua portuguesa. Ao invés de se premiar apenas uma obra, como acontece na maioria dos prêmios, eles laureiam o escritor por sua obra completa, seguindo um procedimento adotado pelo Prêmio Nobel que, aliás, é, depois do Camões, o prêmio de maior impacto que um escritor brasileiro poderia receber.
Raduan Nassar foi o décimo segundo brasileiro a vencer o prêmio. Outros grandes nomes da literatura nacional já o venceram, tais como João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Rubem Fonseca, Autran Dourado, Ferreira Gullar entre outros. O escritor paulista vem ganhando espaço novamente na cena literária. Além de receber o Prêmio Camões, foi finalista do Man Booker Prize, que conta com dois prêmios Nobel na lista.
Esse alvoroço em torno de sua obra não é algo muito comum. Evidentemente que o seu célebre romance Lavoura Arcaica (1975), considerado na época de sua publicação como “incompreensível”, “chocante” e “irreal”, conquistou muitos fãs nas últimas décadas. Porém, sua leitura e discussão fica geralmente restrita à academia, aos clubes de livros e aos grupos de leitores mais assíduos.
Raduan vem fazendo estardalhaço de uma maneira muito paradoxal: pelo seu silêncio. O escritor, embora longe de ser um recluso tal como Dalton Trevisan, raramente dá entrevistas, aparece pouco e nunca mais publicou nada. Decidiu se calar em tempos nos quais fala-se aos quatro ventos. Tempo em que vozes outrora completamente abafadas começaram a ser ouvidas. Tempo em que as redes sociais dão vozes a pessoas comuns. Raduan, ao invés de continuar a escrever obras monumentais como aquelas que já escreveu, decidiu ir criar galinhas, pois, segundo ele, tinha mais a contribuir com o mundo dessa maneira do que com as palavras.
Lembrei-me de Clarice Lispector naquela entrevista célebre que deu poucos meses antes de sua morte. Quando perguntada sobre o maior papel do escritor contemporâneo, ela disse: “o de falar menos possível”. Seria falar menos possível fora da obra ou falar menos possível dentro da obra? Rodrigo Amarante vive afirmando que o artista tem que ter algo para dizer se não é melhor mesmo se calar. Raduan Nassar se calou acreditando que não teria mais nada para dizer que valesse a pena.
Mas o silêncio dentro da sua obra é daqueles que ecoam aos confins da terra. Não é só a palavra que diz, mas o silêncio em relação a ela. O silêncio é considerado incômodo, pois, no fundo, diz muito. Muita gente não suporta o silêncio porque na verdade ele é muito barulhento. Entre suas frases mais impactantes, o silêncio reverbera e completa o caráter de sua obra. A cada ponto em final de frase de Raduan Nassar, um mundo de caminhos ultrapassa a velocidade do som. Ler Raduan é como botar uma concha no ouvido. Esse efeito é o silêncio ruidoso de sua obra. Um silêncio que, dentro e fora da obra, vem dando o que falar.