O velho, o jovem, o futuro e a máquina

0

“Geração após geração essas pessoas roubam o futuro dos jovens, mas ninguém tem coragem de falar nisso”. 

father_and_son

– O futuro? O futuro é dos jovens! – disse o apresentador de televisão

Ao ouvir isso, o velho ao meu lado sorriu com amargura.

– Que besteira – ele disse.

– O futuro não é dos jovens, velho? – perguntei para ele.

– O futuro não é dado pra ninguém, ele é conquistado. E esses idiotas da televisão ficam dizendo que o futuro será dado numa bandeja de prata para os jovens. E os jovens, que estão acostumados a comer, beber e a respirar mentiras, acreditam. Isso é um crime.

– O senhor está errado, o futuro é dos jovens. Tenho certeza disso.

– Ah é? Que futuro tem alguém com uma péssima educação, que não tem saneamento básico, e cuja alma está embrutecida? Sem chance, essa pessoa não possui o futuro, é o futuro que a possui. O futuro chupará seu sangue, depois a mastigará, quebrará todos os os seus ossos, chupará a medula deles e então a cuspirá de uma vez só. Essa é que é a verdade.

– O senhor esta errado, o futuro é dos jovens.

– Não, não é. O futuro está sendo roubado dos jovens, essa é que é a verdade. Roubado por gente que sabe como a máquina funciona. Geração após geração essas pessoas roubam o futuro dos jovens, mas ninguém tem coragem de falar nisso. E sabe por quê? Porque tem sempre um imbecil na televisão dizendo que a juventude é o máximo, mesmo que ela seja aviltada dia após dia. O simples fato de ser jovem já implica em um mérito, é a lavagem cerebral que esses idiotas da televisão fazem na cabeça da juventude todos os dias.

– O senhor esta errado, ser jovem é o máximo!

– Talvez até seja, sei lá. Mas por si só não é mérito nenhum.

– O senhor está errado. O senhor vai ver. Nós vamos mudar esse País.

– Eu não vou ver nada, seu pentelho. Até lá já estarei morto. Mas vou lhe dizer porque você e todos esses seus amiguinhos, que acham que a juventude é um mérito por si só, não vão mudar porra nenhuma.

Ele faz uma pausa.

– Uma máquina de moer carne não produz bifes, ela os destrói. Transforma tudo em picadinho. Você e o seus amiguinhos cabeça de vento querem fazer filé com uma máquina de moer carne. Não tem como, não dá. Coloca isso nessa sua cabeça dura, seu merdinha.

– Se é assim, seu velho gagá, o que é que a gente faz? Chora? – perguntei com doses cavalares de ironia em minha voz.

– Joga a porra dessa máquina fora. Joga no rio, põe fogo, manda pro espaço, sei lá, manda pro inferno.

Passam-se alguns segundos.

– Mas por que o senhor não fez isso quando era jovem, hein, senhor sabe tudo?

– Na sua idade, eu e os outros jovens estávamos construindo a máquina. A gente não sabia o que tava construindo. Os mais velhos diziam que era necessário construir a máquina porque ela iria nos salvar.

– Salvar do quê? – perguntei sem entender.

– Não sei, não lembro mais. Era tanta mentira… Os mais velhos ficavam insistindo que a gente tinha que construir a máquina porque tudo seria melhor com ela. Bando de miseráveis. Eles só esqueceram de dizer que as peças dessa máquina eram feitas dos nossos sonhos, das nossas esperanças, do nosso futuro, da nossa felicidade.

Dessa vez sou eu que faço uma pausa. O velho fala com tanta certeza que minha vontade de retrucar desaparece.

– A primeira coisa que vocês têm que fazer é parar de alimentar a máquina. Sem combustível ela para.

– Como? – perguntei.

– Parem de acreditar nas mentiras. É o primeiro passo.

– E depois?

– Daí vocês desmontam ela. Você vai ver, sem a máquina, vai sobrar tempo pra tudo, inclusive pra ser feliz.

Olho para o velho, pego o controle remoto, e desligo a televisão.

O velho olha para mim e sorri um sorriso menos amargo.

– E agora, velho? Que que eu faço?

– Sai daqui e vai fazer o que você nasceu pra fazer.

– O quê?

– Desmontar a porra dessa máquina.

Previous article Falar sozinhos, de Andrés Neuman
Next article Mil e Uma Noites com Ítalo Calvino e Jorge Luis Borges
Radicado em São Paulo, Y.N. Daniel é um escritor dedicado, basicamente, à ficção. Além da literatura, à qual se dedica há sete anos, o autor também se dedica ao estudo de tecnologia, artes marciais, religiões e história. Seus romances, em estilo hard fiction, são resultado de longa e intensa pesquisa, e misturam fato e ficção, muitas vezes, sem que o leitor perceba. Livros lançados: Um Sol e Dois Olhos Âmbar, Rumo as Colinas de Aço e 2363.

Não há posts para exibir