Três décadas depois de sua morte, musa da geração do mimeógrafo retorna às prateleiras em edição caprichada
A pequena grande poeta
Considerada um dos principais nomes da geração do mimeógrafo no Brasil, Ana Cristina Cesar foi dona de um talento precoce, que, desde muito cedo, a enveredou ao universo das letras. E, agora, trinta anos depois de sua morte, retorna às livrarias em edição caprichada que reúne seus trabalhos mais significativos, dentro do campo da prosa e da poesia, em Poética (Companhia das Letras).
Carioca nascida no dia 2 de junho de 1952, a menina de pele branca, olhos azuis e cabelos lisos aloirados, antes mesmo de saber escrever, já ditava os seus primeiros versos para a mãe, que os registrava no papel (como podemos conferir na imagem abaixo).
No fim dos anos 60, viajou para Londres, onde entrou em contato com obras de autoras como: Katherine Mansfield, Emily Dickinson e Sylvia Plath. De volta em seu país, matriculou-se no curso de Letras, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e logo depois fez Mestrado em Comunicação, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ).
Retornou a Inglaterra, onde estudou Tradução Literária, na Universidade de Essex. Começou a traduzir livros de autores estrangeiros como também a publicar seus próprios textos, em revistas e jornais alternativos, na década de 70; além de ter sido jornalista e uma grande pesquisadora na área de literatura.
Dona de um verso livre
A produção de Ana C. mescla autoanálise, ficção, ensaio e elementos da cultura pop. Sua versificação transita pela prosa poética; sendo assim, a poesia se liberta da tessitura clássica, tornando-se quase um testemunho epistolar, uma narrativa introspectiva que, por vezes, beira ao terreno confessional.
Em Poética, encontramos a reunião de suas produções autônomas publicadas em vida, tais como: Cenas de Abril (1979), Correspondência Completa (1979) e Luvas de Pelica (1980); seguido de A Teus Pés (1982), único lançado por editora, a Brasiliense. Além disso, o livro conta com o volume póstumo Inéditos & Diversos (1985), organizado pelo poeta Armando Freitas Filho, entre outros trabalhos nunca antes publicados; e fortuna crítica sobre a autora.
A poeta marginal se destacou como uma grande figura feminina dentro da literatura brasileira do século 20, ao abordar temas como a liberdade sexual, a emancipação feminina e a representatividade intelectual da mulher na sociedade.
Morreu de forma prematura, em 29 de outubro de 1983, aos trinta e um anos de idade, atirando-se do sétimo andar na janela do apartamento de seus pais, na Rua Tonelero, no bairro de Copacabana.
“Ao fechar o livro que contava sua própria história, em 29 de outubro de 1983, Ana C. provocou uma comoção geral. Um acontecimento dessa ordem não afeta somente o que você escreve, mas a vida inteira; ainda mais quando com alguém de sua intimidade”, palavras do poeta Armando Freitas Filho, um de seus melhores amigos, e com quem Ana C. se confidenciou ao telefone, quarenta minutos antes de sua morte.
Afirmando seu total desânimo de viver, ela teria confessado ao amigo estar se sentindo emparedada, e que gostaria que o médico a receitasse algo que lhe fizesse chorar. O amigo tentou reanimá-la e achou que o tratamento médico e a presença do enfermeiro ao seu lado lhe ajudaria a superar a depressão, sem pressentir que aquele seria o último dia em que ambos se falariam.
Com a reunião de seus escritos, reacende-se o eterno brilho, a beleza e a jovialidade da grande musa da poesia marginal, que teve como um de seus contemporâneos o poeta curitibano Paulo Leminski. É um resgate essencial para a nossa literatura, sem dúvida. E não poderiam ter dado título melhor ao livro, que resume bem o espírito sensível e libertário da grande poeta carioca nascida desde berço: poética.
Poética
Ana Cristina Cesar
Editora Companhia das Letras
504 págs.