Alguns títulos são tão valiosos que merecem ser reeditados, em grande estilo
Recentemente, muitas editoras parecem ter atinado para o fato de que, no cenário editorial brasileiro, a importância e qualidade literária de uma obra nem sempre equivalem à edição que recebe. Pouco atraentes, sem textos complementares e com projetos gráficos que deixam a desejar, essas edições acabam esquecidas, longe dos leitores que poderiam se interessar pelo texto que carregam.
Aos poucos, tal desatenção vem sendo reparada. Guimarães Rosa, Monteiro Lobato, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, José J. Veiga, Murilo Rubião e Ariano Suassuna são alguns dos autores cujas obras ganharam edições novas e caprichadas, que devem satisfazer o público por bastante tempo. A coleção Clássicos Zahar, bem como a recente Clássicos Autêntica para Crianças e Jovens são exemplos de cuidado editorial para com obras representativas da literatura universal. A Clássicos de Ouro, da editora Nova Fronteira, promete relançar autores e títulos há muitos anos fora de catálogo, em proposta semelhante à Dublinense Resgata. Sem contar as belíssimas Prosa do Mundo/Nova Prosa do Mundo e as coleções Os Mais Belos Contos, Dedinho de Prosa e Histórias para Contar Histórias, da falecida Cosac Naify.
É digno de elogio o esforço que algumas editoras têm feito para oferecer títulos pouco conhecidos de autores consagrados, novas edições de clássicos e/ou editar pela primeira vez uma obra no Brasil. Entre essas casas editoriais encontram-se: Estação Liberdade, Mundaréu, Carambaia, José Olympio, Tordesilhas, Editora 34, Aleph, Rádio Londres, Rocco (por meio da coleção Otra Língua), Editora Nanquim, Amarilys e até mesmo alguns clubes de assinatura, como a Tag Experiências Literárias.
No entanto, ainda há trabalho a ser feito. Apesar das mudanças ocorridas, restam muitos textos e autores carecidos de um olhar mais atencioso, com projeto gráfico pertinente e crítica atualizada.
Veja a seguir algumas obras que merecem uma edição à altura de tudo que têm a oferecer.
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Memórias de um Cabo de Vassoura
Um dos títulos mais tocantes de Orígenes Lessa, até hoje não conseguiu uma edição que fizesse justiça à originalidade e à delicadeza de seu conteúdo: a narrativa de um cabo de vassoura (“um tanto de gente… e quase sempre melhor que muita gente”) que, por ser tão simples, “sentia e ouvia, falava e não era ouvido senão por aqueles que lhe eram mais próximos e semelhantes”.
Mundéu
Coletânea de poemas do cineasta Mário Peixoto, editada pela última vez em 1996. Dança, cultura e história do Brasil são alguns dos temas explorados pela poesia do diretor e roteirista de “Limite” (1931), filme cuja linguagem revolucionária carrega muito da inspiração poética do autor.
Éramos Seis
Obra-prima de Maria José Dupré, encontra-se fora de catálogo. O romance acompanha as reviravoltas da vida de Dona Lola, desde a infância dos quatro filhos até sua velhice, sozinha em um asilo.
Forte e delicada, a obra trata de temáticas como vida familiar, solidão, morte, afeto, abandono e desigualdade social, adequando-se a muitas listas de leitura extraclasse.
O Fantasma da Ópera
Mais uma obra sem grandes edições, apesar do enorme sucesso de sua adaptação na Broadway. O romance gótico de Gaston Leroux traz uma ópera às voltas com os caprichos da misteriosa figura conhecida como O Fantasma da Ópera. Dono de uma alma tão sensível quanto perturbada, ele orquestra uma trágica sequência de eventos cujo cerne é a jovem cantora lírica Christine Daaé.
Elegante, soturna e envolvente, é o tipo de narrativa ideal para uma edição luxuosa.
Casa dos Espíritos
Considerado um clássico da literatura latino-americana, o romance de Isabel Allende foi editado pela última vez em 1994, sem material de apoio.
Na trama, várias gerações da família Trueba acompanham a história chilena de 1905 a 1975, culminando no golpe de Estado que instaurou uma das ditaduras mais violentas da América Latina.
O Pássaro Azul
Escrita pela dramaturgo belga Maurice Maeterlinck (vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1911) e já adaptada para o cinema, a peça não ganha uma edição brasileira há muitas décadas.
Delicada e repleta de metáforas, traz a jornada de dois irmãos, Mytyl e Tyltyl , moradores de uma pequena vila assolada pelas guerras napoleônicas. Após terem tido o pai convocado para o exército, recebem a visita de uma fada que diz que alcançarão a felicidade caso consigam encontrar um pássaro azul. A dupla, então, parte em um viagem que percorrerá a terra da memória, da fartura, do futuro e muitas outras. O típico enredo para uma bela edição ilustrada.
Senhorita Else
Uma das mais consagradas obras de Arthur Schnitzler – enfaticamente elogiada por Freud por “ter conseguido traduzir tão bem a psique feminina” – possui apenas uma edição no Brasil, datada de 1996. O romance traz o drama da jovem Else que, para quitar uma dívida contraída pelo pai e evitar a ruína da família, precisa atender ao pedido de um velho barão: vê-la nua.
A edição existente não contém textos complementares ou notas do tradutor (que fazem falta). Enquanto o romance original é construído como um único parágrafo em fluxo de consciência – pelo qual o leitor acompanha o que acontece no interior e ao redor da protagonista –, a edição brasileira o divide em vários parágrafos, inclusive com travessões para a fala das personagens. Ou seja, uma adaptação que distorce a estrutura da obra.
Pedro Páramo
Figurando entre os romances fundadores do realismo fantástico, ainda não possui nenhuma edição comentada ou com textos adicionais no Brasil. Uma vez que influenciou autores como Gabriel García Márquez e Mário Vargas Llosa, com ecos na atual literatura latino-americana, seria interessante dispor de uma edição que o contextualizasse no universo literário.
A obra conta a viagem de Juan Preciado, que, atendendo ao pedido da mãe moribunda, parte à procura do pai, Pedro Páramo, lendário assassino que ele jamais conheceu. Pelo caminho encontra as vítimas da crueldade paterna, que lhe contam seus sofrimentos. Alegoria da própria história mexicana e primeiro dos dois livros publicados por Juan Rulfo, é um dos romances mais aclamados do México.
A História sem Fim
Transformada em filme nos anos 80, fez parte do imaginário de diferentes gerações. Em 2013, a Martins Fontes – que publica o título desde 1985 – lançou uma edição ilustrada da obra. Apesar disso, é difícil encontrá-la, sobretudo na versão capa dura.
A reimpressão seria interessante, mas o lançamento de uma edição ainda mais ilustrada, com mapas e textos adicionais, com certeza agradaria aos fãs. Considerando que se trata de uma obra de fantasia que já foi adaptada para o cinema, as possibilidades são muitas e é possível entregar uma edição completa, que não precisaria ser revista tão cedo.
Obra Completa de Lima Barreto
Já faz tempo que um dos nossos maiores e mais importantes autores merece uma edição à altura. No ano em que Lima Barreto é o homenageado da Flip, não faltam estímulos para isso.
Os leitores merecem ter o conjunto de sua obra em capa dura, com textos de apoio, prefácio, posfácio, ilustrações, notas de rodapé, enfim, tudo que se espera de uma coleção especial. Há profissionais – de estudiosos a críticos – elaborando material rico e inovador sobre a literatura de Lima Barreto. Seria interessante abrir espaço para que essa produção acrescentasse à obra que ele deixou.
Quem sabe assim, em edição atraente, com crítica renovada, Lima não voltasse a circular pelas escolas e até como representante brasileiro nas feiras internacionais?
Adendo (26/06/17): Acabou de ser lançada Lima Barreto, caminhos de criação, edição crítica do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, pela Edusp.
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Alguns títulos não precisaram entrar nessa lista porque já ganharam ou vão ganhar edições novas e caprichadas. Entre eles se encontram Oliver Twist, de Charles Dickens (Amarilys), O Rei da Vela, de Oswald de Andrade (Penguin/ Companhia das Letras), A Bagaceira, de José Américo de Almeida (José Olympio), Dom Casmurro, de Machado de Assis (Carambaia), O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez (Record), Psicose (DarkSide Books), O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon (José Olympio) Educação Sentimental, de Gustave Flaubert (Penguin/ Companhia das Letras), A Lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho (Autêntica), Jane Eyre, de Charlotte Brontë (Martin Claret), A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe (Amarilys), Forrest Gump, de Winston Groom (Aleph), A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares (Biblioteca Azul), Mathilda, de Mary Shelley (Poetisa), Os Sertões, de Euclides da Cunha (Ubu Editora), Ethan Frome, de Edith Wharton (Penalux), Vitória, de Joseph Conrad (TAG), a obra completa de Thomas Mann pela Companhia das Letras, entre outros.
E você? Conhece mais algum título que merece ser reeditado?