Quando minha máquina do tempo funcionar de novo, vou incomodar Aldous Huxley
Quando minha máquina do tempo funcionar de novo, farei uma viagem a um ponto entre 1930 e 1950 e incomodarei Aldous Huxley. Talvez eu o encontre consultando um livro ou revista enquanto planeja um de seus ensaios, metido em um roteiro de cinema e brigando pelo próximo trabalho, quiçá revisando um de seus originais antes de enviá-lo à editora e continuar na ficção, mas nenhuma dessas atividades corresponde àquela na qual eu gostaria de encontrá-lo.
Seria interessante vê-lo lendo. Poderia ser uma correspondência, fácil imaginar Huxley com uma carta de George Orwell, a quem lecionou em outra época; ou uma de Henry Louis Mencken, que com certeza encontraria uma crítica feroz e faria questão de dizê-la com sua língua (e pena) de navalha. Nas hipóteses mais estranhas, poderia ver o autor com uma carta de um conhecido querendo convencê-lo a se dobrar a uma substância reservada que mudaria a percepção, ou trocando cartas com Laura Archera, anos antes de a desposar em consequência tanto do falecimento de Maria Nys, primeira esposa do escritor, quanto de um possível desejo de não envelhecer sozinho.
Imaginar Aldous lendo um livro é tão curioso quanto achá-lo às voltas com suas relações pessoais, não para perguntar quais as influências (algumas escancaradas, feito o verso copiado na cara dura do William Blake) mas apenas para o perguntar que relações íntimas ele tem com a literatura. Poderia ser com a do poeta inglês Percy Bysse Shelley, pois Huxley citou alguns versos do Epipsychidion em ficções suas e largou o quase famoso Prometeu Desacorrentado na estante, e não duvido que tenha decorado versos dele.
Ou com a obra de John Milton, pois o nome da ficção Huxleyana Sem Olhos em Gaza foi retirado de uma linha deste: Eyeless in Gaza at the mill with the slaves. Milton é lembrado por Paraíso Perdido, uma reinterpretação pessoal da criação do mundo pela versão cristã escrita em forma de poema épico. Desconfio que Aldous também visitou este Paraíso, e minha dúvida é como chegou no Samson Agonistes, enxuta perto dos dez mil versos do Paraíso e pouco citada, que me deu a impressão de ser algo mais lido por leitores de John Milton do que de epopeia ou poesia em si (prefiro não ter razão nesse palpite furado).
Percy Shelley foi influenciado por Milton, e o dedicou algumas linhas indiretas de verso e diretas em ensaio, e viajando nas interpretações tem como ligar Prometeus ao Paraíso sem acorrentá-lo. Uma viagem que seria muito bem conduzida pela mão do Huxley, quem sabe batendo na porta dele e o dando muita corda ele faria uns devaneios malucos, desacorrentado de solenidades literárias e falando mais enquanto leitor em vez do estudioso que foi. Apenas formas diferentes de abrir as portas da percepção, visitando o infinito dos mundos – este no qual pisamos e o que lemos.
E se Huxley se incomodar com minhas perguntas tolas, saio da época dele e volto no dia seguinte fazendo de conta que estou relendo Shelley e Milton. Motivo para nobre conversa fiada.