O Mérito das leituras não é meu

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Da sorte de achar quem goste de falar sobre leitura

estanteazul
Olho minha estante de livros, estrategicamente posicionada ao lado da minha cama, e tropeço mentalmente ao lembrar quais livros ainda não li, de quais esqueci da história, quais faço questão de reler embora nem sempre o faça, além de alguns que me serão úteis para futuros estudos. Mais importante que isso, seria uma grande mentira se minhas memórias estivessem ligadas apenas nisso.

Um dos livros que me olha da estante é o famigerado Ulysses, baderna estético-zoada do James Joyce, que foi uma das minhas melhores leituras e, principalmente, minha estreia enquanto colaborador aqui do Homo Literatus em 2014. Esse livro sempre vai dividir opiniões: um dos meus amigos bebe isso como se fosse água, outro me disse que “Ulysses é um demônio mas não é da minha legião”. Já O Estrangeiro, do Albert Camus, que odiei na primeira vez em que li por indicação de um grupo de leitura, passou a morar na minha estante uns 2 anos após eu o reler, em outro momento, e hoje A Peste o faz companhia, esperando a chegada de mais material do venenoso Camus.

Ainda tenho um exemplar surrado de Admirável Mundo Novo, a única leitura que realmente guardei dos meus tempos de colégio, quando mal sabia o que era literatura. Na ingenuidade dos meus então 16 anos, quando a li pela primeira vez, eu não imaginaria o quanto essas páginas envelheceriam comigo, acompanhadas de outras leituras e vivências além da leitura. O meu exemplar do Mundo Novo já passou um tempo na casa de um amigo, com quem tenho contato desde os mesmos 16 anos, e na época esse amigo disse ter lido em uma semana e demorou uns três meses para me devolver. Anos depois ele me passou As Vinte Mil Léguas Submarinas, que li apenas uma vez e guardei principalmente a postura do Capitão Nemo, com suas manias de mostrar sua força e que manda no submarino.

As minhas manias são inofensivas, espero. Às vezes me empolgo, vou além de uma obra conhecida e tenho ótimas surpresas, noutras abandono o livro sem pudor de tão chato que me parece. Também encontro nas leituras alheias sensações equivalentes às minhas: o que sinto de emocionalmente pesado na obra de Herta Müller um amigo sentiu no Maus, e ainda me disse que não tenho coração porque li a HQ em um dia. Esse mesmo amigo tirou sarro de mim quando me visitou semanas atrás e viu meu exemplar do Por que Ler os Clássicos, tão marcado que parece um banner luminoso, enquanto livros que ele me emprestou quase não têm marcas de caneta.

Parte dos meus livros já viajou por aí e pode voltar daqui a meio ano, estou perdendo a pressa e um pouco do ciúme com eles. Também recebo visitas ou encontro na cidade quem indica tais obras, e às minhas leituras e interesses particulares somam-se as experiências de leitura de amigos, amigas e parceiros, sem os quais eu demoraria para conhecer ou sequer ouvir falar de um tema específico. O mérito das leituras não é meu, não apenas por ter quem as incentive como atividade normal feito qualquer uma, mas pela sorte de topar com gente apaixonada por explorar páginas e fazer disso uma boa mania.

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