Onde cabe uma crônica

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Cabem alguns minutos de uma vida na crônica

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Cabem alguns minutos de uma vida na crônica. Não sei quantos e talvez seja melhor não saber, assim posso me dar o luxo de não aprisionar uma passagem de tempo nas minhas palavras frágeis. Já não imagino um cronista saindo de casa em busca de um acontecimento para contar à sua maneira, apenas caminha e o texto lhe pousa nos ombros como um pássaro em uma pedra da calçada. Sem devaneios gratuitos ou esperas milagrosas pela ingrata e obscura inspiração, tampouco entrega um fingido texto alegre como se fizesse um favor passando a mão na cabeça de quem lê.

A crônica apenas é, no recorte de seus autores e autoras que colhem pedaços dos próprios cotidianos e os deixam à disposição do público, como se deixa uma térmica com café livre para ser temperado ao gosto do leitor. Eu poderia descrever esta bebida pela identidade textual de alguns escribas dedicados ao gênero, mas não seria o bastante porque nem sempre a mistura dos ingredientes interessa, apenas o sabor do café.

É quase um acordo não pronunciado: consolidados ou aprendizes, cronistas servem os textos e deixam a quem recebe que dê o tempero final e os insiram no cotidiano como for possível. Às vezes de olho na próxima esquina, no sujeito de voz alta quase camuflado na multidão, no animal que não recebe uma lágrima, uma fração de minuto basta para se entregar uma crônica e ser notado (ou dizer que nota, mas acredito que no fundo parece o contrário) por outro tema.

Não sei qual é o próximo assunto. Também não sei quem é você, talvez se nos esbarrarmos na calçada você estranhe algo na quadra e trate isso pelas suas lentes. A mais visível e ridícula das minhas manias pode ser a sua crônica, ou a sua conversa com outra pessoa depois que cada um seguir o próprio caminho após um encontro marcado. Pode caber tanto ao se falar ou se escrever sobre alguém que dicionário algum serve, apenas ‘ah é o fulano sendo fulano’, e um nome ou título carrega um planeta em si. Gosto de acreditar nisso em relação a crônica. Essa brisa que vem a nós e apenas é, sem pedir licença e nos mantendo em nossas ocupações e nos deixando livres para percebê-la, seja por uma treinada curiosidade ou espontaneidade infantil.

Alguns portais, internet afora, exibem o tempo médio de leitura da página exibida, dois minutos e 30 segundos, três minutos e 30 segundos, com sorte 5 minutos. Peço que imagine o tempo médio de leitura desta minha crônica em quatro generosos minutos. É tempo suficiente para nos vermos na calçada, desaparecermos da vista um do outro e nos servirmos de um café numa esquina qualquer. E também para sermos tema ou leitores de um texto enquanto chega a nossa vez de abastecer a térmica de café.

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