“É com grande pesar que levo ao conhecimento de V. Sa. que seu filho, o Sr. Natanael Martins, se encontra internado, em estado grave, em nosso hospital.” (p.7). Assim começa a carta recebida pelo senhor Opalka, protagonista de Opisanie świata, prosa de Veronica Stigger. Uma observação por parte do médico que redigiu esta carta para Opalka avisa: “a progressiva debilidade do estado de saúde de seu filho tem, nos últimos dias, afetado a sua capacidade de entendimento e de raciocínio. […] não se atenha aos detalhes e não julgue a carta por aquilo que ela diz, mas por aquilo que quer dizer” (p. 7).
A intenção de estabelecer o vínculo é o mote da carta, mas a relação de Natanael e seu pai não é revelada por meio de uma possível caligrafia tremida, ou por um raciocínio fragmentado em decorrência da fragilidade física. Tampouco pela extensão das cartas. “Desculpe-me por ser tão breve. Escrevo-lhe rapidamente apenas para lhe comunicar que parti. Não sou ainda capaz de expressar o sentimento que tive ao receber sua inesperada missiva” (p. 58), confessa Opalka a seu filho, cuja existência, a partir de suas falas curtas como a mencionada carta, parece algo além de sua realidade.
Não há fluxos interiores do protagonista em tentativa de entender como seu filho adoeceu, ou lembranças da convivência entre eles. A história de Opisanie świata é a da viagem feita por Opalka a caminho de seu filho a bordo de um navio, no qual estão passageiros de todos os cantos do mundo.
Entre eles as Olivinhas, investigadoras acidentais por terem descoberto como os passageiros da primeira classe se divertiam mais do que os da classe turística; as tentativas de diálogo feitas por Raul Bopp interrompendo Opalka durante a leitura do jornal, este respondendo laconicamente em contraponto a comunicabilidade daquele; o capitão e a tripulação em uma divertida representação teatral em homenagem ao grande camarada Netuno (hey!); o rico comerciante Jean-Pierre para quem a exótica criação de jacarés é apenas um hobby, enquanto seu desejo é criar um vistoso palácio para a exibição de peças musicais e fomentar a movimentação cultural de sua cidade; e outras personagens cujos destinos se entrelaçam na brevidade desta viagem em alto-mar.
Esta multiplicidade cultural também é apresentada visualmente: fotografias envelhecidas, anúncios de serviços marítimos, elixires, cervejas, convite para o circo novo na cidade e demais imagens compõem um catálogo de locais visitados em páginas cor de cobre, somadas às páginas roxas com letras semi garrafais, estas na mesma cor das páginas empacotando os citados anúncios, aconselhando os visitantes sobre o país a ser explorado – “O Chá da tarde, feito como deve ser feito, pode ser encontrado em todas as principais cidades” (p.68), “Não use chapéu de explorador. O uso de um deles por um estrangeiro cria má impressão nos brasileiros” (p.118).
Em polonês, o título do livro significa Descrição do Mundo, conforme explicado em um romance iniciado por Opalka para homenagear Natanael. Uma descrição feita a partir de fragmentos narrativos – (des)encontros entre os viajantes do navio, cartas, poesias, fotos, intempéries comunicativas, o reconhecimento de uma paternidade, as breves perfurações do silêncio do protagonista em seus escritos, e um (entre as muitas possíveis sensações oriundas desta história) estranhamento com os fantasmas do futuro. Esta é a Opisanie świata apresentada aos novos viajantes.
Opisanie świata
Veronica Stigger
Cosac Naify
2013
160 páginas