O que você faria se fosse convidado a escrever um conto de Natal?

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Conto de Natal de Auggie Wren, de Paul Auster, apresenta um escritor que não quer escrever um conto sentimental, ainda que tenha de escrever um conto de Natal

Conto de Natal
Ilustrações para Conto de Natal de Auggie Wren realizadas pela artista argentina Isol

Paul Auster escreve histórias sobre escritores envolvidos em vidas que contradizem a realidade, quase como se não houvesse diferença entre uma e outra, dadas as coincidências que cercam o cotidiano.

Dito isso, vamos ao ponto: o que você faria se fosse convidado a escrever um conto de Natal?

Digamos que você não queira apelar para o sentimentalismo (ou moralismo, dependendo do ponto de vista) do texto ficcional de Natal mais conhecido da atualidade: Um conto de Natal, de Charles Dickens – em que um velho comerciante pão duro aprende algumas lições ao ser confrontado por fantasmas. Melhor dizendo, você quer algo crítico, não muito politicamente correto, tal qual o conto Peru de Natal, cujo gosto amargo é a presença cinzenta do pai falecido no primeiro Natal que a família comemora sem ele. O velho que só oferecia à mesa castanhas, passas e figos não está mais ali e a família pode degustar um peru.

Natal
Conto de Natal de Auggie Wren (Companhia das Letras, 2009)

São contos opostos sobre o mesmo tema.

Em Conto de Natal de Auggie Wren, de Paul Auster, temos uma boneca russa, uma história dentro de outra. Um escritor é convidado pelo New York Times para escrever um conto de Natal. Ele se propõe a não fazer algo sentimental, como o de Dickens.

O narrador frequenta uma tabacaria, onde conhece Auggie Wren, funcionário que é “o tipo de sujeito gozador, piadista, que sempre tem uma coisa engraçada para dizer sobre o tempo, sobre beisebol ou sobre os político em Washington” (pg. 8). Um dia ele descobre que seu cliente é escritor e passa a considerá-lo um amigo, um artista em comum. Convida-o para ir à sua casa, ver sua obra de arte. O narrador encontra doze álbuns com 365 fotos cada, fotos do mesmo ângulo da cidade, batidas por Auggie Wren.  Um dia, o narrador confessa a Auggie que precisa escrever um conto de Natal, mas não sabe o que fazer.  Auggie promete contar, em troca de um almoço, a melhor história de Natal.

A história de Auggie é insólita, o relato cru sobre ter perseguido um rapaz que roubava na tabacaria e acabar ajuntando a carteira dele que caiu no chão. A carteira continha um endereço que Auggie resolveu visitar. No endereço, ele encontra uma velhinha cega e se passa pelo neto dela (o ladrão) e, mesmo sabendo que ela sabe que ele não é seu neto, passam um Natal juntos. Ele entra no banheiro da cega e encontra várias câmeras. Acaba roubando uma, com o que fez as fotos mostradas ao narrador.

Natal
Ilustração de Isol para o livro de Paul Auster

Em linhas gerais, é um enredo simples, quase sem graça, uma frustração de Natal. Ou melhor, seria se fosse escrito por qualquer outra pessoa – não por Paul Auster.

O que Auster faz neste conto de Natal é percorrer a linha tênue do que é realidade e o que é ficção. Expõe a solidão urbana, tão comum à sua ficção. E, de quebra, entrega uma narrativa única e poética.

Sabe o que mais Paul Auster faz?

Deixa um desafio a você: escreva um conto de Natal que tenha originalidade.

Natal
Ilustração de Isol para o livro de Paul Auster

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